Não morra sem: assistir ao seriado Lost
Foi um namoro inesquecível. Lost tinha um mistério sedutor por trás de cada intenção narrativa, parecia que a vida real tinha menos graça até que o próximo episódio fosse exibido. A vida na ilha me parecia um refúgio mais interessante e espelhado para se estudar comportamento humano. Um prazer passional e cheio de explosões térmicas nas relações, uma degustação rara, o ser humano distraído em sobreviver, o lado primitivo das pessoas em carne viva, a alma intensa e nua.
E eu me via fazendo perguntas sobre a vida após cada imersão-episódio, Lost é sobre perguntas, e quem se fixa nas respostas logo se frustra. Aquilo era diferente de qualquer coisa que já tinha visto em termos de seriado, me parecia um reality ficcional multifacetado. Tinha contornos bíblicos, fundos fantasiosos, deduções cientificas, roteiro engenhoso, interpretações empolgantes, e muito, mas muito mistério.
Lost me mostrava as pessoas de um jeito desiludido, desembrulhado, e ao mesmo tempo possível. Gente que trai, mas que salva uma vida. Gente que mente, mas que ama como ninguém. Gente de carne e alma. Altruístas criminosos, e agora? Condeno? Perdoo? Lost era um tribunal às avessas porque de cada atitude virtuosa vinha uma faca violenta e desgovernada colocando nossa certeza sobre os personagens às avessas. Interessante é que todos eles alcançam redenções e em seguida nos decepcionam, são reféns de algum passado manchado. Esse passado é mostrado em flashbacks, com recortes relevantes, dando pistas do caminho existencial de cada membro da história. Dentro do episódio, um entendimento de roteiro sempre com duplo sabor, duas histórias concluindo um único sentido, com muita força narrativa.
Ali, uma ilha protagonista, uma personagem que governa boa parte das ações e decisões referentes ao destino de seus habitantes; um deus em forma de lugar. Destino e acaso se confrontam a todo tempo na série, assim como fé e ciência. Lost é um reformatório da consciência, e traz como metáfora uma tal fumaça preta que olha no grão da alma de cada um e vislumbra se aquilo será revertido em algum futuro com perdão. O tempo em Lost é diferente, é uma viagem dentro de um roteiro genial disfarçado de vinil riscado com ponteiros que nos enganam. Não se prenda a uma linha sequencial, as camadas se mostram pra que fiquemos ansiosos pelo passado, ou sentindo uma estranha saudade do futuro.
Conhecer cada personagem é como conhecer um pouco de si. A mente de Benjamin Linus, um líder interessante, que sempre faz alguém achar que teve uma grande ideia quando a ideia na verdade é sempre dele. A personalidade misteriosa de Kate, por vezes doce, por vezes perigosa. Hurley e sua inocência cômica, e a sabedoria de John Locke. Aproveite cada momento, cada personagem, cada diálogo e prepare-se para incorporar uma sábia frase na sua galeria das importantes:
“Live together, die alone.”
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