Uma crônica para entender São Paulo
Era uma vez o motorista que odiava o motoqueiro que odiava o ônibus que odiava o ciclista que odiava o pedestre que odiava condutores de guarda-chuvas. O núcleo das irritações paulistanas se concentram num cenário caótico chamado trânsito. Mas não da pra generalizar.
São Paulo tem a Avenida Paulista, uma moça com óculos de grau, que adora arte e barulho, que nos espia por prédios hiperativos, que carrega o fardo da anfitriã.
O paulistano possui uma velocidade própria e ansiosa, temos crises de irritação com quem não se adapta ao nosso trote. Andar devagar é quase um atestado de “não sou daqui”. Mas não da pra generalizar.
Tem aquela bairro-senhora, a Vila Mariana, da nostalgia idosa, dos pés de romã e casinhas com cores descascando: um abraço de vó.
Em São Paulo a concorrência acontece inclusive no trânsito: quando você para o carro no farol e o automóvel da faixa vizinha também vai brecar, repare que ele sempre vai dar um jeito de frear um pouco a sua frente. Mas não da pra generalizar.
São Paulo tem a Pompeia, aquele bairro que corre em 60 graus, que tem gente falando alto, tem blues e copaíbas, tem palmeirenses mil.
Se você vem de fora se prepare: vão imitar seu sotaque. Corrigir português aqui é uma constante, tem muito daquele egocentrismo de quem acha que a linguagem correta é somente a local. Mas não da pra generalizar.
São Paulo tem Pinheiros: bairro de fim de tarde, das varandas apertadas, da boemia benedita, da cerveja abaixo de 0, de arquitetos e sofás, de instrumentos teodoros e lojas musicais.
Paulistano é especialista em perder o trailer do filme, de te conhecer a fundo em um dia e no seguinte fingir que não te conhece. Mas não da pra generalizar.
São paulo tem o Bixiga: bairro do calor afetivo, do gosto de manjericão, das mamas braçudas, da vibração confortável, do amor pomodoro.
Aqui, vão te perguntar indiretamente qual é o seu cargo: “O que você ta fazendo da vida?”, e você precisa estar fazendo algo, invente qualquer coisa, do contrário você é um poeta vagabundo. Mas não da pra generalizar.
São Paulo tem a Frei Caneca, rua cor de rosa, do rebolado protesto, do beijasso inesquecível, de gente festeira, das figuras que “ahazam”.
Em São Paulo só é atraso 10 minutos depois do próprio atraso. O metrô é uma central de gente rolando suas timelines pelo Smartphone. Uma multidão sorrindo pra pequenas telas. Mas não da pra generalizar.
Paulistano sofre da ressaca da euforia: tem preguiça de ligar no dia seguinte, e aos domingos, só existe depois das 3 da tarde. Mas não da pra generalizar.
São Paulo tem a 25 de Março, rua suada, que carro não tem vez, dos catálogos de Nike pirata, de aparelho que faz massagem sem permissão, de preços bananas.
Quer irritar um paulistano? Ande em cordão de isolamento (casais ou grupos que fecham uma passagem estreita por estarem andando lado a lado) e você será muito xingado em pensamento. Pare na esquerda da escada rolante e você será culpado por todo um atraso coletivo. Somos neuróticos, não duvide. Mas não da pra generalizar.
São Paulo tem a Mooca, bairro calórico, de mãe preocupada, da pizza massa grossa, da rabiola inocente, dos muleques travessos, do sol de domingo no Juventus.
São Paulo rima com mortadela, cinza, alagamento, ar condicionado, hortinhas planejadas, pizzaria de bairro, garoa, motoboy no retrovisor, e mais amor por favor.
São Paulo tem o Ibira, parque sarado e sem-camisa que adora uma bicicleta. Tem a Vila Madalena, moça de saia com tênis, que não alcança as amoras do pé e pede sem ensaios pro moço do lado ajudar.
Tem o Tatuapé e tem bichinhos de luz. Tem Capão Redondo e tem várias tias do Yakult. Tem o Morumbi e a Vila Leopoldina, e tem lugar que eu nem conheço. São Paulo é lugar onde criança guarda o tatu-bola no bolso, e dos homens-carroça que levam seus resumos de vida nas costas.
São Paulo é cidade-sede dos paradoxos, mas não da pra generalizar.
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