Se renda à ternura inofensiva da voz de Fernanda Takai
Não adianta: entra geração sai geração, e ela se reinventa, homenageia interpretes, desvia do demodé, sem ser atropelada pelo novo. Fernanda possui uma voz sem espinhos, sua harmonia entra doce, fácil, o coração nosso parece encostar-se aos ouvidos. Fernanda sobrevoa-nos miúda, com um jeitinho que mistura sushi com pão de queijo. Já ouvi alguém dizer que seu timbre é como um filme de chorar, a lágrima fica apertada, sua voz não alcança grandes distâncias, é feita para distrações intimistas, é um correio elegante cantado, um registro do suave, uma joaninha que canta.
Sua banda, o Pato Fu, jamais perde o posto de a banda mais fofa do Brasil, desde “Televisão de cachorro” noto nas letras, fragmentos de casa, coisas minhas e suas. O quarto, o telefone, o Guaraná, a cama, o dia e a poesia, a não-resposta transformada em melodia. Fernanda possui uma sonoridade especifica e peculiar, parece àquela menina que se equilibra por um muro estreito, em que um só pé cabe por vez, e ela nunca cai. Passa aguda e confiante, mesmo quando o céu está escuro e não da pra imaginar a queda.
Em “Música de brinquedo”, Fernanda se aventura em um delicioso e definitivo flerte com o mundo infantil, reeditando canções consagradas. Não é síndrome de Peter Pan, é mágica com xilofones e cornetinhas. E O Pato Fu às vezes parece convergir com a terra do Nunca, desconfio que Fernanda é a Wendy – ou quem sabe o Peter? -, e se você pensa que esse trabalho foi fácil, está enganado: houve um cuidado extremo para achar a sonoridade certa de cada instrumento improvisado, e a banda bem soube brincar com as possibilidades do instrumental: experimenta barulhos, flauteia doçuras, assobia inocências, dedilha no cavaquinho, desafina emoções, arrepia os pequenos e as ex-crianças.
O novo disco da cantora tem colheres de ousadia e ao mesmo tempo despretensão: traz um dueto entre Fernanda e outros artistas, com músicas que marcaram a infância da cantora, e isso inclui uma letra bíblica lindamente interpretada em parceria com o padre Fábio de Mello. Canções que pedem calma, sugerem paradas contemplativas, parecem feitas para atingir em cheio a quem, por algum motivo, deixou de reparar nas pequenas coisas. É sobre aquele tempo em que o melhor da tarde era jogar conversa fora na pracinha da cidade tomando sorvete sabor blue ice, sem relógio.
Sorrir como Jesus sorria / E ao chegar ao fim do dia / Eu sei que dormiria muito mais feliz
Não foi dessa vez / Mas pode ter certeza / Mal posso esperar / Pra fugir da tristeza.
Tempo amigo seja legal / Conto contigo pela madrugada / Só me derrube no final
Todos estão surdos – Erasmo & Roberto Carlos – “versão brinquedo”
E assim sem despedida / Saio de sua vida / Tão espetacular
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