Nossa história coube na mochila
Não acreditei em nada do que ela me disse. Afinal, depois de tantas mentiras engolidas a seco, já não era mais capaz de reconhecer a face da verdade. Quando, de pés juntos, jurou amor eterno: deixei que a afirmação entrasse pelo ouvido esquerdo e, sem pensar em retê-la comigo, obriguei-a a sair correndo pelo ouvido direito. Enquanto ela implorava para que eu não ultrapassasse a porta de saída, eu, com falsa cara de indiferença, recolhi meus rastros e as migalhas que costumava deixar no apê dela. Na mochila desfiada, a mesma que em nossas viagens serviu como mala de mão, rapidamente, coloquei tudo o que era meu. Não queria que nada ficasse com ela. Nem foto, nem imã de geladeira. Guardei os chinelos que ela insistia em querer jogar fora, o livro amarelado do Philip Roth, o perfume que estava quase no fim e, desafiando todas as leis da física, na miúda mochila, enfiei as tantas roupas que, com o tempo, no armário dela, foram ganhando espaço nobre.
Ela me puxou pelo braço e disse que havia mudado. Em silêncio, fingi que não ouvi. Continuei arquivando as provas de nossa história. Quase tudo que vivemos acabou mochila adentro. “Por favor, não vá”, disse-me enquanto o elevador não vinha. Não olhei para trás, pois não queria vê-la esperneando enquanto atirava-se, feito criança mimada, no chão frio e sujo do hall. “Por favor, eu amo você!”, gritou tentando me convencer a ficar. Não respondi. “Amarei você para sempre!”, berrou. Não disse nada. O elevador chegou e nele, após um profundo suspiro, parti.
Já no carro, enquanto me afastava da casa dela, permiti que as lágrimas brutalmente contidas, enfim, escorressem sobre meu colo. Chorei feito bobo. Esmurrei o volante. Pensei em ligar para ela e, em tom de arrependimento, alegar insanidade mental. Porém, encontrando forças que desconhecia, apenas me calei. Contive a vontade de errar novamente.
Com ela, deixei apenas meu silêncio, meus fios de cabelo que insistiam em grudar na fronha dela e, sem nunca tê-la contado, boa parte do meu coração.
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