O amor não é uma verdade imutável
Hoje, como todo domingo, foi um dia de refletir e organizar por ordem alfabética as minhas emoções. São tantas. Nessa última sexta-feira, li algo na internet que me fez pensar um pouco nas questões que o mundo distribui. Confesso que não costumo escrever sobre qualquer monotemática que surge por aí, mas, dessa vez, não pude me furtar, ainda mais por ter resgatado em mim uma história que me fez ficar emocionado em silêncio por alguns dias.
Com o meu novo livro em lançamento, felizmente, estou viajando muito pelo Brasil para me encontrar com as leitoras e leitores. São várias meninas, mulheres, homens, crianças, pessoas de todos os tipos que vocês possam imaginar. Engraçado dizer, mas ter oportunidade de conversar com essas pessoas e através das suas janelas admirar – pois são belos – seus medos e anseios, é uma sensação ainda indescritível para mim. Com certeza é isso que dá voz a alegria que sinto em viver integralmente o que faço.
Esses dias, no lançamento que fiz em São Paulo, uma menina com semblante triste me fez repensar um pouco nas inúmeras verdades imutáveis que existem por aí. Como todos que ali estavam, ela ficou por horas na fila esperando uma simples dedicatória – sempre fico muito feliz pela paciência que as pessoas têm nos eventos, a gente sempre se ajeita para tentar fazer todos sorrirem. Ela deveria ter uns 19 anos, acabei esquecendo de perguntar, e, empertigada, veio sozinha de ônibus de uma cidade próxima. Então, quando chegou a sua vez, trêmula e ao mesmo tempo sorridente, ela desabou a chorar. Eram muitas emoções para descrever, assim, em linhas de um texto qualquer. Dentro de mim, achei que seria pela emoção do momento, coisa que, felizmente, ainda não entendo. Chorar por mim? Sou tão simples, tão pequeno, tão normal, tão água com açúcar. Assustado e alegre com a emoção que ali se instalava, perguntei para ela o que havia acontecido. Sem gaguejar, ela me disse que estava com um problema e não sabia o que fazer para resolvê-lo. Em prontidão, pensei em problemas triviais: um amor perdido, um ente querido que não se fazia mais presente, uma saudade incurável, algo do gênero. Mas, como a vida sempre nos prega peças deliciosas de serem vistas, ela me contou, segura que eu seria um bom ouvinte, que há dois anos tinha tomado plena consciência que gostava de outra garota.
Ela disse tudo o que havia preso em sua garganta e, em segundos, soltou o verbo, os medos e o coração, enquanto isso, a minha cabeça ficava girando feito carrosel tentando encaixar a compreensão necessária que aquele momento pedia. Ela me disse que era algo mais forte do que ela, que ficava noites e noites se questionando o porquê, que os pais não entendiam e assim por diante. Mas, independentemente da situação, o que eu via naquele momento não era somente uma menina assumindo sua homossexualidade, mas, uma menina perdida, assustada por ser quem ela é; e a gente sabe como é difícil amar aquele algo “diferente” que existe na gente. Mesmo esse algo sendo tão lindo, tão único.
Por segundos a observei com toda sensibilidade que havia dentro de mim, algo que eu faria de forma pobre caso descrevesse por aqui. Vendo de perto a sua dor, o seu medo, a sua insegurança frente à aspereza do mundo, pude entender que ali havia mais do que descoberta, mas aceitação. Se aceitar é difícil, se olhar no espelho e dizer “esse sou eu”, às vezes, é uma dor sem bálsamo. Acontece que ninguém conhecia o mundo interno daquela menina, ninguém se doou a vê-la por inteiro, ninguém sabia que por trás daqueles óculos, daquele cabelo meio preso, meio solto, daqueles olhos fundos, havia um mar tão revolto em busca de uma alegria tão risonha. Era uma menina em busca da sua realização de mulher. Confesso que naquele momento senti medo, me senti sozinho por talvez só eu, no mundo em que ela habitava, pudesse a entender.
Enquanto ela falava, eu ficava refletindo: será que os que tanto julgam e condenam a alegria dela como extravagância, sabem o sofrimento que há dentro dela? Olhar nos olhos daquela menina e não ver a verdade que ali pulsava, seria imprudência. As suas lágrimas eram verdadeiras, o sorriso miúdo, incompreendido, assustado, pequeno nesse mundo tão grande, era verdadeiro. Com todos seus excessos, ela era linda; uma pena poucos terem lhe dito isso à queima-roupa. A verdade é olho no olho, é abraço sem trégua, é carinho e compreensão do universo alheio. Muitas pessoas questionam a homossexualidade e ficam presas somente ao “aceitar”. Mas, será que realmente aceitam? Será que realmente vivem com o coração essa aceitação? Aceitar só para ter aceitação do mundo, não é o tipo de aceitação que o mundo precisa. A gente aceita com o coração, com empatia, com paciência e espaço para ceder. Aceitar o que os outros são é algo nobre. A gente precisa de paciência para fazer das opiniões concessões, para saber que as divergências nem sempre segregam, mas unem conceitos e corações diferentes. Aceitar, discutir, empoderar, não é levar munição em busca de uma vitória pessoal, mas dividir a arma que se carrega em busca de algo muito maior que o triunfo da nossa própria opinião.
Não questiono a religião e seus dogmas, não tenho tal poder, mas questiono o quão aprisionado alguns corações haveriam de ficar só porque criamos tantas verdades imutáveis. Por que tantas regras sendo que o pré-requisito é só amar? Por que tantos detalhes, tantas palavras, tantas páginas, sendo que o simples é a razão do sorriso do outro? Por que tantas perguntas se o que nós queremos é só que alguém construa o seu lugar na gente?
Que ela, você, eu, voemos. Que a gente aprenda a voar sem peso, que possamos viajar, sumir de corpo e alma, brincar de beijar quem nos vier à mente, cantar o refrão que os nossos olhos querem. Que saibamos nos empoderar de uma alegria que não atinja ninguém. Que saibamos respeitar as várias maneiras de alegrias que existem. Sejam elas como forem. No mundo há espaço para todos tipos de felicidades. Então, voa, seja livre, assuma ser quem você é de verdade, não perde tempo achando que a felicidade precisa de pré-aprovação. Pois, essa vontade de amar que vem de dentro, é nossa; ninguém mexe, ninguém quantifica, ninguém sente o que a gente sente. Voa menina, voa… a gente está aqui contigo.
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