O lado bom da vida, um filme sobre como a felicidade é um eterno ponto e vírgula
A pergunta é: conseguiriam duas pessoas perdidas se ajudarem? Os tipos desse longa-metragem são tão tortos e ao mesmo tempo emblemáticos em relação à depressão contemporânea, que não é estranho criarmos ternura por eles. Há algo de ridículo quando uma história tenta botar as carências à mostra, um tabu envergonhado, tão comum a todos. Carência pode vir disfarçada de um tanto de posturas defensivas. Pode se travestir de arrogância, de pretensas vilanias, de irritação gratuita e de fotos com boas cotações para likes.
“O lado bom da vida” é quase uma ironia ostentando olheiras de segunda-feira. Uma dramédia feita para hoje. Pat (Bradley Cooper) e sua bipolaridade que pode custar à destruição da humanidade no caso “daquela” música tocar. Ele e Tiffany (Jennifer Lawrence) correm em ritmos diferentes, e as relações são um pouco assim: um alcança o outro até que a diferença de velocidade seja novamente um fator de discordância. Num café, ele tenta se esquivar do que projeta nela, não quer admitir pra si que ela carrega não só lindos olhos, mas também espelhos desagradáveis. E então, aquele estouro genial, um dos melhores feitos pelo cinema, ela sai nervosa bufando, um vomito moral, genial.
Veja o trailer:
Um filme de personagens, tudo o que é importante vem da nervura das palavras lançadas e algum vazio que não passa nem com flecha. O diretor David O. Russel dá espaço à verborragia sem comprometer o radar dos olhos, sem nada ser tão grave assim. A positividade é uma piada e ao mesmo tempo um curto-circuito prestes a desacontecer. Tiffany desconta o luto e a falta de norte em transas casuais com colegas de trabalho, faz da dança um módulo terapêutico e precisa de um parceiro para um concurso. Uma nota 5 talvez fosse mais do que suficiente para o par. Habitar a depressão possui um lado bom: uma nota baixa talvez pouco importe, mas se mover mesmo que desastrosamente pode ser um eficaz remédio para o transtornado estático. E que delícia de cena, essa da dança. Nada é patético quando o instável se distrai.
Mas qual seria o lado bom da vida? Nesse filme aprendemos que o lado bom tem dentro de si dois lados. Os opostos estão num bloco só, compõem a direita e a esquerda do mesmo material subjetivo. As medidas do cotidiano se equivalem e se compensam sem que percebamos. Chegar atrasado e tenso no trabalho, mas ficar feliz no almoço por caprichar um pouco mais no queijo ralado do Spagueti. Alimentar um torcicolo pelas horas extras do escritório, mas se jogar no conforto de um sofá tipo futon ao chegar em casa. Receber na mesma leva do correio uma multa por burlar o horário de rodízio, mas também um postal carinhoso do amigo que mora na Holanda. Descobrir que a pizzaria já fechou depois das 23 hrs, mas abrir geladeira e dispensa por motivos de inventar um sanduba que leve mostarda Dijon. Abrir a janela do quarto e ver a garoa estragando o dia, mas abrir o tarô e ler boas perspectivas para mais tarde. Descobrir uma pedra no rim, mas assistir um bom blockbuster pra fingir que não está doendo. O “mas” divide a boa e a má notícia, o mas tem sempre o mais que vem antes e o menos que vem depois, e vice, e versa. O mas é uma palavra gangorra, é o fim e o começo de um sorriso ou de uma careta.
Escrever sobre esse filme me lembrou uma nova onda de tatuagens minimalistas que estão em evidência pelo mundo: a inscrição do sinal “ponto e vírgula”. Uma campanha disseminada por uma artista norte-americana (Amy Bleuel) com o intuito de ajudar pessoas com pensamentos suicidas. Levanta a ideia de que algo bom pode acontecer mais a frente. No ponto e vírgula o autor poderia encerrar a frase, mas resolve continuá-la. É preciso continuar. Então continuo.
O grande pequeno passo para o pessimista é saber que tudo pode ficar bem amanhã, ou talvez um dia. O pessimista é um franco atirador e o máximo que pode lhe acontecer um dia é algo sem querer dar certo. Por isso, termino esse texto assim, num otimista ponto e vírgula;
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