O peso leve da idade – ou por que velhinhos são as melhores coisas desse mundo
Venho de uma família – por parte de mãe – longeva. De mulheres mais longevas do que homens, aliás. E, salvo raras exceções, absolutamente lúcidas. Pra você ter uma breve noção, minha bisavó morreu aos 94, na banalidade de uma cirurgia de extração de pedras da vesícula. A filha mais velha dela – e irmã mais velha da minha avó – morreu aos 96. A segunda mais velha já está com 95 – morando sozinha, limpando a casa, indo ao mercado e, às sextas e sábados, tomando um chopinho e comendo umas empadas no bar ao lado da casinha dela. A minha avó, que hoje tem 83, removeu todo o estômago em uma cirurgia há três anos, ligou o esôfago direto no intestino e está batendo perna por aí, comendo – e cozinhando – feito uma doida. E como se tudo isso não fosse suficientemente impressionante, duas irmãs da minha bisa morreram com mais de 100. Uma aos 103 e a outra aos 107.
E quando analiso esse histórico matusalêmico, tudo o que eu consigo pensar é: que sorte a minha. Olhares mais rasos certamente dirão que eu comemoro pela possibilidade ter herdado tão valiosa genética. De certa forma, sim. Mas genética é roleta russa, né. Posso ter uma vida extensa e saudável, como a dos membros da família da minha mãe. Uma vida curta e doente, como a da parentada do meu pai. Ou uma vida média e meia-bomba, que seria a média aritmética de todas as probabilidades. Torço para que, ao menos nessa questão, deus tenha assinalado A no gabarito da minha vida.
E embora o mistério genético que me ronda seja um caso de vida ou morte, lembro-me de que, por mais que a morte prevaleça, eu ainda tenho sorte. Toda a sorte do mundo, meus caros: desde meus primeiros anos de vida, eu convivo com uma legião de velhinhos. Que são as melhores pessoas do mundo. Porque mesclam um corpo assustadoramente frágil com uma mente robustamente sábia. Porque sempre sabem de tudo, por mais que mal saibam escrever direito – como é o caso dos meus avós. Porque possivelmente sobreviveram a guerras, a regimes ditatoriais e a revoluções.
Que os fazem soar ultrapassados – é verdade. Mas que também lhes conferem aquele arzinho ingênuo que, talvez, nem as crianças tenham, de tão tecnológicas que já estão nascendo. Pra vocês verem, meus caros. Nessa onda de Pokemón Go, minha avó quis conversar sobre o assunto. É faladora, é sociável, é tinhosa a velha.
– A TV não para de falar nesse tal de Pokemão – foi assim que ela puxou assunto.
– Uma febre, né, vó?
– Ah, nem me fale. É um tal de caçar Pokemão pra cá, de correr atrás do Pokemão pra lá. Tem gente que até já foi atropelada por causa do Pokemão, você viu?
– Vi, vó. Um perigo, né?
– Nossa, minha filha. Nem me fale. Outro dia eu tava pensando com os meus botões: quem é esse Pokemão, meu deus? Por que tá todo mundo querendo pegar ele? Alguma coisa ele fez. Deve ser um bandido daqueles bem “terrívi”…
Que resposta a gente dá pra isso, senhor? Se não for um apertão e um beijo na bochecha, eu não sei de mais nada. Pode me fazer de café-com-leite. E pode mesmo. Porque lá vem ela com um bolo de laranja. Com um biscoitinho de goiabada. Pra ela, tudo feito à mão, a base de muita pressão no rolo de macarrão. Para nós, é handmade.
Aliás, nossas avós fazem tudo handmade. Artesanato, cachecol, pulôver. Até lavagem de roupa em casa de vó é handmade. E são as maiores partidárias do do it yourself. E são hipsters, de óculos de grau, cardigans de bolinhas, granny hairs – naturais, diga-se de passagem. E fazem calls diários com nossas mães, só pra saber se tá tudo bem, se a Andressa foi bem na prova, se serviu a camisetinha que comprou de aniversário para o Leo.
E embora elas não saibam de nada disso – e por vezes nós, presunçosos, nos achemos melhores do que elas porque somos poliglotas, sabemos usar o Excel e temos a porra de um carro do ano – são elas que estão prestes a desvendar o mistério do mundo. A menos passos da linha de chegada do que da linha de partida da maratona da vida, elas, enfim, descobriram que de nada adianta falarmos inglês, francês, espanhol, japonês e esperanto enquanto preferirmos usar as palavras para ferir. Que de nada adianta sabermos usar o Excel se a tecnologia nos serve mais para acumular do que para distribuir. Que de nada adianta termos a porra do carro do ano enquanto não tivermos asas para voar para um destino – talvez – mais próspero do que o delas.
Isso, meus caros, é sabedoria. O resto é intelectualismo, achismo, presunção. O resto é resto. E, por enquanto, é nosso.
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