O que não se guarda na caixa
As primeiras mulheres de um escritor são mulheres invejadas. Os primeiros adjetivos as descrevem, as primeiras narram o romance, as primeiras declarações falam do amor que o escritor sente por elas. Mas conforme o escritor – e seu ofício de escrever – vão envelhecendo, as coisas vão mudando. Os adjetivos rareiam tal qual nosso cabelo aqui na lateral, perto da orelha e as declarações ficam mais esparsas, até que uma mulher descobre que era tudo mentira e que namorar um escritor não tem lá essa graça toda. E do mesmo jeito que um humorista que chega em uma festa e é intimado a contar piadas, é esperado de nós, por parte das namoradas, textos quase que diários. No mínimo semanais, quando o trabalho nos aperta o pescoço. E quando não escrevemos hoje com a frequência que escrevíamos àquela época, as idéias na cabeça dela pulam que nem balões de pensamentos desenhados pelo Maurício de Souza. E as divagações sobre a falta de constância literária-amorosa são muitas, quase nunca verdadeiras.
Como escritor, escrevemos menos pois amadurecemos, e o que antes era uma diversão livre, agora se torna um ofício. Não vou dizer que é um sacrifício escrever, longe de mim, é até muito fácil, mas não é mais uma brincadeira de adolescente. E com tantas obrigações de criar textos e conteúdos diversos, uma carta que antes era escrita em um tempo vago, para aprimorar o estilo, hoje não mais o é por estes motivos, pois o estilo é aprimorado para pagar as contas, e o tempo vago não passa de uma longínqua lembrança dos tempos de menino. E acabamos – eu acabo, pelo menos – com medo de escrever um texto de amor, pois não quero que aquele texto seja mais um texto qualquer o qual eu me obrigo a escrever. Caso fosse esta a verdade, ninguém perceberia a diferença. Eu seria capaz de escrever uma carta de amor para qualquer criatura deste planeta, e quem lesse me acharia o mais apaixonado dos apaixonados. O treino constante traz isso. Mas para a mulher que eu amo eu não quero isso. Não quero um texto “profissional”. E acabo não escrevendo.
E como homem, escrevemos menos pois já não temos necessidade de auto-afirmação como tínhamos quando meninos. Não nos é mais prioridade desfilar nosso talento em longas e sofridas cartas de amor. E no meu caso específico, escrevo menos para a mulher que eu amo porque aprendi, com o tempo, que uma carta de amor nada mais é que um texto como qualquer outro. Não é prova de amor. Não para alguém que poderia muito bem fazer uma “profissionalmente”. E mais que isso, aprendi também que amor não se prova com flores, nem cartas nem textos.
O amor adolescente sim, se prova assim. O amor maduro se prova quando você se pega discutindo com ela os cachorros que vocês terão quando se casarem, já que ela tem medo de cachorros grandes. O amor se prova ficando na chuva, pois o guarda-chuva dela é pequeno, e não queremos que ela molhe os pés. O amor se prova quando você para para pensar e quase desiste do sonho de morar em uma casa com quintal, já que ela tem medo de insetos e de ladrão. O amor se prova quando você perde, de uma hora pra outra, a mania que tinha desde os cinco anos de idade, de arranhar a calça jeans com as unhas fazendo barulho, porque ela tem nervoso como gente que tem nervoso de unha no quadro negro. E o amor se prova, principalmente, quando um escritor não usa sua habilidade de trabalho para fazer uma carta só pra agradar, só porque ela pediu ou só para os outros verem. Cartas ficam guardadas em uma caixa velha e empoeirada, e podem ser encomendadas a qualquer escritor de meia tigela como eu por aí. Mas o resto, o resto não é o que fica em caixas nem o que está nos cadernos: o resto é o que faz você pensar na casa, nos cães, na unha na calça jeans e, acima de tudo, quando mesmo pensando assim, você para seu trabalho e escreve um texto pra ela, como eu estou fazendo, só pra ver ela sorrir com mais intensidade amanhã. Isso sim, é amor.
Eu me identifiquei tanto com esse texto. Eu cada pequena palavra que leio aqui