Os PhDs do Google
Quando eu era adolescente a gente não tinha a internet para pesquisar tudo o que existe no mundo. Até a pornografia era menos acessível. A primeira vez que uma mulher me disse “me bate”, eu fechei a cara e perguntei “Por que???”. Hoje em dia os garotos perdem a virgindade com performances de filme pornô, de tanto ver sacanagem na internet. Sabem nomes de posições que parecem que foram batizadas pelo sujeito que dá nome às operações da Polícia Federal. Já eu, quando perdi a minha virgindade, levei doze minutos para colocar a camisinha. E ainda coloquei do lado errado. Duas vezes.
Nessa época se precisava de livros, revistar e afins para estudar. Eu era um adolescente “especialista” em Mitologia Grega, e isso me custou dezenas de livros e revistas e idas a bibliotecas e museus. Eu tinha um amigo “especialista” em Olimpíadas, e ele tinha uns cinquenta livros sobre o assunto. Dava trabalho saber muito sobre um determinado assunto. Mas ao mesmo tempo, as discussões se mantinham em um nível civilizado. Quem sabia do assunto, falava, quem não sabia, esperava um assunto que soubesse. Simples. Mas tudo mudou.
Hoje em dia, com meia hora de pesquisa no Google, qualquer um sai “especialista” em qualquer coisa. Eu olho pra minha estante e me sinto um idiota tendo gasto tanto dinheiro em livros sobre política, mitologia, história etc, enquanto hoje em dia qualquer garoto de doze anos pode, pelo celular, ler um resumo sobre determinado assunto e sair por aí vomitando conhecimento mastigado. Mas isso é bom? Até que ponto essa facilidade de acesso à informação enriqueceu os debates? Tenho minhas dúvidas.
Não sou um maluco reacionário. Eu acho sim que todo esse acesso rápido e simplificado a qualque tipo de informação é absolutamente benéfico para todos. Mas, por outro lado, ele nivela a maioria dos debates por baixo. Há duas semanas atrás muita gente só sabia que a Primavera Turca tinha a ver com Turquia e com gente em uma praça com um nome esquisito. De uma hora para outra apareceram milhares de especialistas em manifestações populares e em liberdade de expressão. Acho ótimo que todos tenham lido sobre isso, é um assunto importante que está acontecendo já há alguns anos, e não desde semana passada. Mas daí a ler o resumo no jornal e sair por aí opinando como se fosse o próprio Henry Kissinger são outros quinhentos.
Novamente, sem extremismos. Não sou contra as pessoas debaterem, muito pelo contrário. Adoro debates de todos os tipos e me meto em todos. Mas quando encontro um assunto que eu não domino, eu leio sobre ele e sento no cantinho com as crianças que acabaram de ouvir falar naquilo. E não vou pro cantinho do Google sair de lá especialista em política no Oriente Médio. E como se não bastasse meia hora de pesquisa e sair de lá doutorando no assunto, muitas pessoas ainda agem como se sempre tivessem tido conhecimento daquilo, ofendendo e condenando quem não o tem, não quer ter ou simplesmente pensa diferente. Todo mundo é especialista em tudo. Todos têm fones de trezentos dólares que valorizam os graves e preservam os agudos, mesmo que menos de 10% dessas pessoas já tenha ouvido falar na importância de graves ou agudos ante de comprar o fone.
De ontem para hoje, por exemplo, depois do discurso da Presidente, temos dezenas de milhares de especialistas em Direito Constitucional, todos opinando sobre Assembléia Constitinte, plesbiscito e afins. E todos repetem o mesmo discurso dos dois ou três primeiros resultados do Google sobre o assunto. Nem se dão ao trabalho de descer a página ou comprar um livro. Nem se dão ao trabalho de tentar ler uma teoria e tirar suas próprias conclusões: já vão direto a algum resumo do tema e pronto, são todos consultores da ONU para política internacional.
Eu não entendo bulhufas de culinária. Ou de mecânica. Meu carro dá defeito e eu ligo para o seguro sem nem abrir o capô do carro. Não sei nem fritar um ovo, e quem me vê fazendo um miojo tem a impressão de que estou cozinhando para a Rainha da Inglaterra, tamanha concentração. Mas hoje em dia, infelizmente, as pessoas cada vez mais acham que devem saber tudo sobre tudo. Política, humor, cinema, música, arte, livros, TV, não há assunto que escape impune aos especialistas do Google. E assim, os debates ficam cada vez mais rasos e com cada vez mais argumentos mastigados do primeiro resultado do Google sendo vomitador por aí. Tenho medo de uma filha minha perder a virgindade com um garoto de quinze anos especialista em técnicas de bondage com duzentas horas de vídeos assistidos na internet.
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