Overtudo – A mania de sempre querermos mais e mais
“É o pecado do mundo moderno. Overtudo.”
Mal comecei mais um dia de cão de socialite, já fui surrada com esse pensamento. Numa conversa banal via comentários de Facebook sobre a incurável mania de abrir vinte abas no navegador e não usufruir nem cinco delas, um querido amigo me solta essa. Demorei um pouco para digerir. Comecei a buscar exemplos. Contei as abas abertas no meu navegador. Às nove e meia da manhã, eram oito. Que provavelmente se multiplicaram para 16 ao meio dia, 24 às 16h e 30 não lidas ao final do expediente.
Assim que a gente desliga a tela, sobra aquela sensação de fracasso. Se eu não consegui sequer ler artigos de internet que tinha me proposto a ler, quem dirá devorar um livro. Se eu não consegui nem zerar as abas do meu navegador, quando vou zerar minhas pendências? Se o tempo me foi cruel até quando eu queria me informar, imagine quando eu quiser me divertir. E os devaneios não param por aí. Nem o sofrimento. Nem a insatisfação. Bem-vindo ao clube, colega. Bem-vindo ao século XXI, ser humano.
Se eu pudesse fazer duas correções ao genial pensamento do meu amigo, eu diria que o pecado do mundo pós-moderno é o overtudo no undertempo. Teorias sobre o encurtamento do dia já foram criadas e bombardearam nossos e-mails na época áurea do Bol. O dia, segundo a Ressonância de Schumann, teria agora 16 horas, e não mais 24. Não estou aqui para refutar ou corroborar com o raciocínio de ninguém, mas acho que a tal da Ressonância de Schumann é tudo o que gostaríamos de ouvir para justificar o modo de vida cada vez mais atropelado e sem sentido das grandes cidades no século XXI.
Sei que o Facebook é seu grande amigo – ele também já me proporcionou momentos agradáveis. Sei que você não imagina como fazer um trabalho de escola sem o Google – eu não imagino como seria viver sem o Google. Sei que você venera a instantaneidade e a gratuidade do Whatsapp – eu também acho bacanésimo. Mas a grande verdade é que a tecnologia, ao encurtar o tempo em que realizamos processos, aumentou a cobrança social pela agilidade. Se eu te mando um inbox e você tem um Smartphone, o esperado é que você responda em questão de minutos – ao ponto de ~amizades~ serem postas à prova caso você visualize, mas não responda tão cedo. Se antes vinte funcionários produziam uma peça em duas horas, hoje, cinco funcionários mais a tecnologia são obrigados a produzir cinco em uma hora. Somos escravos daquilo que, hipoteticamente, viria para nos salvar. Parecemos seres inoperantes diante de máquinas que lavam roupa, lavam louça, transmitem som e imagem e contam histórias. Nós, pobres humanos, somos portadores de Alzheimer ao lado de um dispositivo com um terabyte de memória.
E agilidade é contagiosa. Porque se você perder o passo, fica pra trás. A agilidade é competitiva. Você não se autoafirma como homem se demorar mais do que o seu amigo para terminar um copo de cerveja. Você não se autoafirma como mulher se não tiver mais pares de sapato do que a menina da baia do lado. Você não se autoafirma como bom funcionário se não responder tantos e-mails quanto o cara da sua área. Você não se afirma como inteligente se escrever uma redação de trinta linhas em uma hora, enquanto o colega de sala já pediu a terceira folha. E assim ficamos bêbados. Consumistas. Escravos. Prolixos. Assim alimentamos o tal do overtudo. Assim caminha a humanidade…
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