Para que serve o passado?
Dizem que passado só serve para ser enterrado. Virar a página. Rasgar, talvez. Passado bom é passado esquecido, apagado, trancafiado no fundo de um baú empoeirado qualquer.
É claro que, se faz sofrer, não merece lugar. Dor foi feita pra ser curada – e o quão rápido for possível – mas a verdade é que não faz o menor sentido apagar completamente as experiências pelas quais você passou, sejam elas quais forem. Enterrar o passado é abrir mão de tudo o que a gente pode aprender: zerar o cronômetro, o contador de experiências, parar o filminho que a gente vai ver uns segundos antes de morrer. Abstrair um passado desagradável é diferente de esquecê-lo para sempre. É que tudo na vida tem dois lados, e há sempre um que se pode aproveitar. Amadurecer é justamente aprender a separá-los: levar na mala o que foi bom e deixar o resto pra trás. Abstrair os sofrimentos inúteis e guardar aqueles que nos fizeram mais fortes.
Pois, no fundo, nós somos feitos da junção de todos os nossos passados – os bons e os ruins. Especialmente os ruins, na verdade. Nós somos os nossos porres, as nossas decepções, os amigos que nos traíram, os amores que nos deixaram, as paixões que nos dilaceraram. Somos os beijos que nos deram, as poesias que nos mostraram, as músicas que nos cantaram. Existimos para sermos acumuladores de experiências – e toda experiência, ainda que, de primeira, nos pareça desagradável, é um verdadeiro presente.
Por isso eu nunca fui de apagar marcas. Tenho um carinho imenso pelas cicatrizes no meu corpo, as marcas de copos na pintura da minha escrivaninha, os arranhões nos meus sapatos, as marcas de tempo que certamente se estamparão na minha cara. Aprecio as minhas dores, as minhas alegrias e os meus dissabores. Respeito cada lágrima que derramei a ponto de jamais esquecê-las.
O passado, na verdade, não foi feito pra ser apagado. Foi feito pra ser congelado quando for conveniente. E amadurecer é justamente sobre congelar aquele passado que machuca até que pare de doer – porque sim, uma hora para. É sobre filtrar as decepções e deixar no peito o que foi bom, o que ensinou, o que fez feliz, o que fez a alma sorrir – e vai continuar fazendo até os seus últimos dias.
Guarda teus prazeres, tuas memórias, tuas marcas de copos na escrivaninha. Guarda tuas histórias, as boas e as ruins – porque todas elas merecem ser contadas. Guarda no peito quem passou pela tua vida e num lugar ainda mais especial quem permaneceu. Guarda tuas alegrias e, sobretudo, guarda tuas marcas: elas são tudo de melhor que a gente tem.
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