“Para sempre Alice” um filme sobre o valor do ainda
Costumo guardar a imagem de alguém com uma constante padrão adicional. É uma espécie de adereço (cor, objeto, lugar) que se complementa e exerce uma ligação afetiva/traumática com a lembrança em questão e orienta a imagem a ser de um jeito e não de outro.
Quando trabalhava no Outback e os atendentes usavam cada um uma cor de camisa, era comum eu me lembrar deles uniformizados, e sempre que a imagem de alguém vinha à mente, vinha junto uma cor de roupa não aleatória, talvez a mais usada pela pessoa ou a que mais se harmonizava com a sua imagem perante o meu olhar. Invertendo esse processo de associação, e entrando quase em uma sinestesia, posso também aplicar esse tipo de ligação ao jeito de cada um girar a chave na hora de entrar aqui em casa. Eu sei exatamente de quem é cada giro: um é mais rápido e ao mesmo tempo prolongado, o outro eu quase não ouço e o terceiro é devagar e ruidoso. Os ouvidos também se lembram.
Assistindo ao novo filme de Julianne Moore e lembrando que em seus papéis anteriores ela estava loira em um e grisalha em outro, senti certo conforto ao vê-la ruiva novamente. Era como se algo em mim estivesse acostumado com esse retrato, como se essa imagem fosse mais legitima do que a dos filmes anteriores. Talvez a memória seja feita dessas ligações confortáveis que nos trazem um sentimento de pertencimento ou de lucidez em meio ao espaço.
Veja o trailer:
Dentro da temática de “Para sempre Alice”, fiquei pensando em quais seriam os primeiros sentimentos de alguém que desenvolve “Alzheimer” e no desconforto de começar a se sentir um estrangeiro de si mesmo, de perder essas ligações que se desgrudam sem aviso prévio. A não oportunidade de negociar com a sua própria mente o que fica e o que vai embora. No quanto isso inevitavelmente acaba transformando a vida de quem está próximo, como cada um assimila sua responsabilidade e como alguém acaba se autoelegendo ou sendo eleito para assumir o papel de cuidador. É um momento delicado, ele mexe com questões logísticas, práticas, emocionais e também pode revelar involuntariamente o egoísmo e a generosidade de cada um.
A narrativa faz um bom carrossel representativo em relação aos lados envolvidos. Além de abordar sinteticamente a evolução da doença, aponta com sutileza como cada familiar reage à situação e faz com que qualquer julgamento leviano de quem assiste se pulverize em meio à complexidade do assunto. Em tempo, meu Oscar também vai para Julianne Moore, por tudo e por sempre. Julianne sempre será o melhor chilique do cinema. Em seu globo ocular sem castidades, vejo mais do que cores, vejo vida dentro da vida, vejo a angustia de quando é verdade, vejo o significado do verbo “suprir”. Uma atriz que me convence da beleza de quando um personagem se parece com o ator e não ao contrário. Que habita os melhores mezaninos da interpretação. Para sempre Julianne, “Ainda Alice”.
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