Reputação
Lucinda está no quarto, aspirando os móveis, quando ouviu Celso gritar seu nome, lá da sala. Ela largou o aspirador às pressas e foi correndo ver o que estava acontecendo. Chegando lá, encontrou o marido no chão, com a mão no peito.
– Amor, pelo amor de Deus, pega meu remédio!
– Que remédio, Celso? Que que tá acontecendo? – Disse Lucinda, correndo para ajudar Celso, no chão.
– O remédio do coração, acho que tô tendo um infarto!
– Meu Deus, amor! Vou pegar as chaves do carro e te levar pro hospital!
– Tá, mas pega meu remédio antes, eu não tomei hoje!
– Aonde tá?
– No bolso do meu paletó!
Lucinda corre até a cômoda, remexe os bolsos do paletó amarrotado e os esvazia. Junto com o vidro de remédios e as chaves do carro, ela puxa um papel. Nervosa, ela vai andando em direção ao marido com o vidro de remédios nas mãos. No caminho, ela abre o papel e percebe que tem algo escrito. Ela lê: “Adorei a noite de ontem, pena você ter ido embora cedo. Bjinhos, Tati”. Ela para no meio do caminho, com o bilhete na mão.
– Lucinda, anda, eu tô morrendo, porra!
– Ah, tá? Pede ajuda pra “Tati”…
– O que? Você tá de sacanagem? Eu to morrendo e você quer discutir isso agora?!
– Isso o que? O bilhetinho da sua “Tati”?
– PORRA, LUCINDA, EU VOU MORRER!
– Ah, mas você vai morrer mesmo, nem que eu tenha que te levar pro hospital só pra te matar eu mesma depois!
– Tá, me mata depois, mas me dá essa porra desse remédio e vamos pro carro logo! Aconteceu, a gente se apaixonou!
Mesmo contrariada, Lucinda chega perto dele e lhe entrega o remédio. Ele abre o vidro desesperadamente. Nesse momento, o celular dele toca. Ela vai até lá e olha, é uma mensagem: “Mô, chega mais cedo hoje… Inventa alguma coisa pra essa bruxa, kkk!!!! Bjuuuxxx!”. Subitamente, Lucinda dá um tapa na caixa de remédios e espalha tudo pelo chão.
– Porra, Lucinda, tá maluca?! Se eu sobreviver vou contar pra polícia que você tentou me matar! No mínimo é omissão de socorro!
– Ah, é? Conta pra eles também sobre isso! – Ela mostra a mensagem a ele.
– Amor, depois eu te explico, tá?
– E quem disse que eu quero explicação? Eu quero que você e essa piranha juvenil se explodam!
– Juvenil? Você nem conhece ela!
– Bom, se ela não tem 15 anos você arrumou uma amante com retardo mental, pra escrever “kkk” e mandar “bjinhos”.
– Ela tem 21 anos, você deu aula pra ela! É a Tatiana, filha do Carlão e da Ana!
– Que????? Aquela piranha magricela???
– Não fala assim, Lucinda.
– Não fala assim? Ela foi minha aluna! E ainda escreve que nem uma retardada!
– É linguagem de internet, Lucinda, porra! Para de ser velha!
– Bruxa, velha…
– Eu nunca te chamei de bruxa, ela que inventou isso!
Nisso, outra mensagem chega. Lucinda lê: “Nossa, nem conseguiu responde. Bem que você falou que ela era chata, kkk. Vai compra cigarro e não volta mais kkk. Você é maxo!”. ela mostra para ele.
– Eu não falei nada disso, ela tá inventando!
– Acho difícil alguém que fala “responde” e “comprar” sem o r no final conseguir inventar alguma coisa…
– Porra, você vai querer dar aula de gramática pra ela agora? Me leva logo pro carro, porra!
– Pede ajuda pra “Tatizinha”. De repente ela pode vir te “ajuda”.
Lucinda fala isso, coloca as chaves em cima da mesa, se senta e liga a TV.
– Você vai me deixar morrer aqui! Meu peito tá doendo pra cacete, eu vou morrar, porra!
Lucinda o ignora.
– Sério, você vai viver com essa culpa pra sempre!
Lucinda ainda ignora.
– Tá bom, tá bom, eu largo ela! A gente se muda pra Iguaba, eu largo a empresa, a gente abre um restaurante lá, só eu e você!
Lucinda parece gostar do que ouve.
– Sério, amor, eu faço o que você quiser!
– Tá bom. Mas você não vai terminar com ela hoje. Antes, você vai mandar uma mensagem pra ela corrigindo todos os erros dela.
– O que? Você tá maluca?
Lucinda se vira de costas.
– Tá, tá, eu faço isso!
– E eu quero conversar com ela!
– Amor, não… Por favor, vai dar merda.
– Eu quero falar com ela, Celso.
– Amor, por favor! Tá tá, tá, fala com ela! Mas amor, entende, eu te amo, foi só um casinho, ela não significa nada.
– não significa? NÃO SIGNIFICA! Pra mim significa muito! Significa que eu dei aula de português pra essa piranha durante três anos e ela escreve assim!
– Tá, tá, que que você quer falar com ela? Eu aviso a ela, pode deixar.
– Quero que ela venha aqui duas vezes por semana durante seis meses pra eu ensinar essa jumenta a escrever direito.
Celso não entende nada.
– Mas… e eu? Vai me botar pra fora de casa?
– Você? Tô cagando pra você, Celso! Mas não vai ser uma piranhazinha qualquer que vai manchar a minha reputação de professora! E anda logo que eu quero resolver logo isso antes que chegue um “mim fazer”.
Diante de um Celso atônito, ela lhe dá os remédios e o leva para o carro, bufando “Filha da puta…”.
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