Se foi bom ou ruim, só importa o que mudou em mim
Vida de gente bagunceira tem dessas coisas.
Às vezes você só está lá revirando a papelada atrás de um comprovante de residência para anexar às burocracias da vida e de repente, entre uma ou outra conta de gás, dá de cara com as fotos de turma da 4ª B.
Aí sabe como é. As burocracias ficam para depois. Pouca coisa na vida é mais importante do que as fotos da 4ª B.
Você olha para as carinhas da 4ª B e de repente só se preocupa em saber o paradeiro do Gustavo, a profissão da Gabriela e o destino de todas as Julianas, Camilas, Guilhermes e Rafaeis. Os Araújos e Silvas. Gomes e Pereiras. Os Ribeiros, Rodrigues, Fernandes e Almeidas.
Você se acha na foto, repara no cabelo e se pega novamente naquela reflexão inquietante sobre como sua mãe te deixava sair de casa daquele jeito. Encontra a Nati e o Paulinho e fica feliz ao ver o Vinícius sentado com perninha de índio na outra ponta da foto. Revive dez segundos de paixonite platônica e sorri pensando na emoção de quando vocês dançaram quadrilha. Você lembra que a professora foi parceira por formar o par certinho e só aí percebe que já estampava as paixonites na cara desde pequena.
Você lembra que o Lucas desenhava bem e fica feliz ao descobrir que ele virou designer. Você lembra do aparelho móvel, do seu primeiro par de óculos e do pedaço de couro costurado no joelho da molecada. Você revive o conforto daquele blusão de tactel com o seu nome escrito por dentro e por um instante, ainda que breve, relembra toda tristeza do último dia de aula. Fato é que o fim da 4ª B não é moleza. Assinar aquelas camisetas nunca é tarefa fácil.
O fim da 4ª B é cheio de sentimentos estranhos. Não tem mais professora para chamar de tia e você fica desconfiado quando ouve dizer que na 5ª série tem até professor homem. Você tem medo de separarem a sua turma e se assusta com as notícias sobre alunos novos. Tem mais matérias e agora você sobe para a sala sozinho. Tudo estranho. Muito incômodo. O fim da 4ª B incomoda.
O tempo passa, chegam a 5ª, a 6ª e as séries intermináveis e a gente percebe que os finais seguem sendo tão incômodos quanto inevitáveis. Finais são estranhos. Cutucam, apertam, pinicam e coçam. Demora até se acostumar. Tem gente que chega nas séries avançadas sem perceber que eles também são lição de casa.
Leva tempo e um bom bocado de fotos de turma. Tem dia que a gente não aceita e tem dia que a gente chora. Tem dia que a gente sorri saudoso e tem dia que a gente nem lembra o nome da professora. Tem dia que dói e dia que liberta, mas uma hora a gente entende que os finais são importantes no currículo.
Eles nos ensinam a subir para a sala nova.
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