Sobre honestidade e corrupção

Amigos,

Eu vou contar uma história pra vocês que é ao mesmo tempo muito chique e muito zoada.

É chique porque aconteceu em Paris. Aconteceu comigo, a minha irmã e o ex-namorado dela, que estávamos bem chiques passando as férias em Paris.

Nós estávamos lá fazendo aquele turismo europeu muito chique e decidimos ir ao Museu do Louvre, bem chiques, como se entendêssemos de arte.

Chegamos lá, minha irmã e o ex-namorado compraram os ingressos para visitar o Museu e eu decidi não entrar porque estava meio na bad (estar na bad em Paris também é chique) e porque já havia visitado o Louvre em outra viagem (chique demais, né? Fui a Paris duas vezes).

Aí beleza. Eles me ajudaram a procurar um lugar para sentar e esperá-los no saguão do Museu, até que nós percebemos que quando as pessoas saíam de lá, procuravam outras pessoas que estavam nas filas de entrada para entregar os seus ingressos.

Descobrimos que isso acontece porque como o Louvre é muito grande, o ingresso vale para dois dias de visita; e como muita gente só tem um dia para ir até lá, entrega seu ingresso para que outra pessoa possa reciclá-lo e reaproveitá-lo no dia seguinte. Bacana, né?

Enfim. Observamos, achamos legal e vida que segue.

Fiquei lá esperando os dois no saguão do Museu enquanto trocava uma ideia em inglês (muito chique novamente) com a galerinha sentada ali ao meu lado.

Minha irmã e o ex-namorado tiraram foto com a Monalisa, terminaram a visita, enfim chegaram para irmos embora e eu perguntei se eles não queriam fazer igual àquela galera que nós vimos e entregar os ingressos a alguém, já que nós não teríamos tempo para voltar ao Museu e outra pessoa poderia estar precisando de ingresso.

Ela e o ex acharam uma ótima ideia, cutucaram as costas de um japinha (um japinha, logo um japinha), esticaram o braço generosamente e perguntaram se ele queria um ingresso.

Eis que o japinha vira pra gente na maior cara de constrangimento de Paris e fala um tímido porém sonoro “No, thanks. I prefer to be honest”.

POIS É. LASCOU. CABÔ COM A NOSSA CHIQUEZA. “I PREFER TO BE HONEST” ACABA COM A GENTE.

A gente nem tinha se tocado que aquilo era desonestidade, cara. A gente nem se tocou que tava querendo passar a perna no museu. A gente achou que tava sendo gente boa com o japinha e de repente ele vem com essa no meio da fuça. Sacanagem.

Enfim. Engolimos a seco, tentamos praticar o auto perdão com aquele argumento de que não era nada demais, não rolou, nós digerimos a vergonha e aprendemos a lição.

Vergonha é um sentimento da hora porque quando a gente sente, provavelmente tá fazendo um negócio que não devia fazer não.

Aí beleza. Pula pra hoje.

Tá aí o assunto da corrupção na boca do povo, é gente de lá, gente de cá, gente falando que quem usa carteirinha falsificada e “paga um café” pro cara que aprova no exame da CNH não tem moral pra falar de corrupto e eu fico aqui me perguntando se essa turma também já não praticou umas corrupções sem saber, que nem eu, achando que tava sendo da hora.

Digo isso porque depois desse episódio eu fiquei mais atenta às coisas e percebi que eu praticava atos de desonestidade a todo tempo porque era o protocolo, porque todo o mundo fazia, porque estava sendo legalzona com os outros e porque faz parte da nossa cultura, que é bem loucona.

Eu amo o Brasil e tenho uma preguiça sem fim de quem fica criticando brasileiro, mas a real é que a gente relativiza desonestidade mesmo, pratica umas corrupções sem saber, está se tocando disso, tentando se policiar, mudar essa cultura e tudo isso é muito bacana… A única coisa que tá errada é que o caminho pra isso mudar NÃO É APONTANDO A PEQUENA CORRUPÇÃO DO COLEGUINHA.

É sentando do próprio rabo, caramba. É tentando identificar e se envergonhar das próprias corrupções. Isso não é um trabalho que a gente faz pelo outro. Não é pra ser fiscal; é pra ser agente da mudança.

O negócio é que a galera tá se atendo aos exemplos de sempre sobre a graninha pro guarda de trânsito e esquece que desonestidade é um conceito muito mais amplo do que aquele do Código Penal, que envolve vantagens e grana.

Desonestidade tá em muita coisa. Tá em selar um pacto de monogamia e não cumprir, tá em prometer segredo a um colega e contar ao amiguinho, tá em aumentar a história sobre a vida alheia pra dar mais emoção e um bocado de outras coisas que muita gente não entende como desonestidade e corrupção.

O lance é que não é só sobre grana e vantagem. É sobre a vida e eu percebi isso na Igreja esses dias, quando o pastor disse que tem gente que entrega o dinheiro a Deus, mas não entrega o que realmente importa, que são a vida, as relações e o coração.

(Se você é ateu, não tem problema. Troca Deus por “honestidade” que a ideia é certamente a mesma.)

Pelo menos pra mim ficou a lição.

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