Sobre paixão, destino e McFish
Lembro-me, perfeitamente, do momento em que a minha paixão – que hoje também é briga diária por território na cama e uma porrada de planos – começou, em algum lugar de alguma madrugada de janeiro, na fila do McDonald´s.
– Então é você? – perguntei com um leve sotaque “vodkense”.
– Eu o quê? – ela me respondeu, sem entender nada, olhando-me com cara de “Ih, acho que confundiu as bolas, moço”.
Continuei:
– A segunda pessoa no mundo que pede McFish.
Ela sorriu. Com certa desconfiança, mas sorriu. Mostrou-me mais de vinte por cento dos dentes, o suficiente para me encorajar a mandar uma nova pergunta:
– Nuggets com molho barbecue ou agridoce?
Mais um sorriso. Quase riso. E, para capturar meu coração que estava se afogando em mesmice, disse:
– Agridoce, sem dúvida.
Por pouco, muito pouco mesmo, eu não gritei “bingo” e pulei o balcão para abraçar o Jonas, funcionário do mês em que me misturei a ela pela primeira vez. Foi como encontrar, um dia antes do dia de pagamento, uma nota de cem no bolso da calça jeans.
Até aquele momento, sentia-me totalmente deslocado em meio a um bocado de Big Mac e barbecue. Até aquele dia, sentia-me condenado a terminar os sábados – e as baladas – portando apenas ressaca e um vazio, um “Então é só isso?” impossível de ser respondido. Até aquele dia…
Hoje, muitos anos e alguns cabelos brancos depois, escrevo para agradecer ao acaso e, principalmente, ao meu amigo Paulo, que foi crucial para o encontro que mudou tudo e encheu, de amor e porta-retratos, a minha existência. Assim que saímos da balada, depois que sugeri uma temakeria para matarmos a nossa larica etílica, o Paulin falou:
– Temaki de novo, Rafael? Vamos nos transformar em peixes se não variarmos um pouco. Hoje vamos comer no McDonald´s e nem adianta começar com aquele papo de hambúrguer de minhoca e sódio pra caralho, viu? Tá decidido.
A vida é um lance bem louco, não acha? Um lance de dados à la Mallarmé. E dependendo do ângulo que resolver analisá-la, notará que o mais saudável nem sempre será a melhor opção. Ou pensa que eu a teria conhecido num vagão do metrô, dias depois? Ou acha que teria sido melhor se eu tivesse evitado o templo da gordura trans e, consequentemente, não tivesse conhecido aquela que faz um bem danado ao meu corazón?
Nas estrelas, não há nada escrito. O que há, de fato, é uma folha em branco chamada vida e a certeza de que a nossa história depende de variáveis totalmente imprevisíveis, como o medo de se transformar em salmão do Paulin e a vontade incontrolável de burlar o regime que o meu amor estava quando me conheceu, em algum lugar de alguma madrugada de janeiro, na fila do McDonald´s.
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