Talvez eu só esteja me cobrando demais
Que droga. Me sinto estragado. É como se eu fosse um jeans surrado, um CD arranhado. É isso. Um CD arranhado que fica repetindo a mesma faixa, a mesma sequencia de pensamentos – você não merece ser feliz – num loop que não acaba nunca. Que ecoa por dentro de mim com uma força, uma violência absurda. É tão forte quanto um soco no estômago. Ou três vezes pior.
Deus, qual é o meu defeito? Por que será que não me sinto merecedor da felicidade? Por que será que eu sempre espero o pior da vida, das pessoas, das relações, das promessas que me fazem? Será que precisarei passar a vida inteira me remontando, me reerguendo, procurando os pedaços de mim que foram esmagados por experiências passadas?
Odeio me sentir cheio de cicatrizes, mas é exatamente assim que me sinto. Como alguém que carrega marcas, cortes de facas, de palavras, de fracassos, de insucessos, inverdades, vaidades. Odeio precisar me esforçar para ser uma pessoa alegre, feliz ou agradável aos olhos que esperam isso de mim. Sei lá, ninguém tem nada a ver com as minhas dores, não precisam carregar as minhas cruzes.
Eu só queria, mesmo, de verdade, de uma vez por todas, fazer as pazes comigo mesmo. Me pegar no colo, me colocar para dormir e acreditar que no fim, vai ficar tudo bem. Eu só queria me permitir ser positivo, ser otimista, ser aquela pessoa que realmente acredita no futuro, que acredita que as pessoas estão neste mundo para fazer o bem, ajudar umas às outras.
Acontece, amigo, que só quem já dormiu uma dezena de noites em prantos, numa sequência que parecia não ter fim, sabe o quão é terrível a sensação de se sentir um CD arranhado que fica repetindo a mesma faixa – você não merece ser feliz – num loop que não acaba nunca. E que por mais que você entupa os ouvidos com uma música boa, aquele barulho, aquela voz que sussurra a terrível frase, ainda continua forte. Com volume suficiente para se fazer audível.
Deus, o que preciso fazer para acordar amanhã sem o peso de ser feliz que me dói os ombros? É como se os meus olhos estivessem vendados para a felicidade. É como se os meus sentidos estivessem adormecidos, dopados. É como se eu, depois de tanto sofrer, tivesse aceitado que aquela era a minha condição eterna. Que nada nem ninguém pudessem me fazer ver a felicidade a olhos vivos. Com arrepios percorrendo todo o corpo.
Talvez eu só esteja me cobrando demais. Talvez eu só esteja me sabotado de novo. Talvez eu só tenha uma cicatriz muito grande no coração, bem no pedaço que guarda a sensação de felicidade. O pior de tudo é não saber que remédio passar para fazer isso sarar. Isso cicatrizar de uma vez e não deixar marcas. Nem em mim, tão pouco nas horas perdidas de sono.
Talvez eu só deva sacudir a cabeça, erguer os olhos, fazer um alongamento e viver. Assim. Um dia após o outro. Sem esperar me sentir feliz, mas permitindo que a felicidade invada o meu peito. Talvez eu devesse tirar os cães de guarda do meu coração, desligar o meu sensor de sexto sentido que vive apitando para qualquer inseto, bicho ou ser humano que chegue próximo a mim.
Eu preciso parar de me defender de tudo. É isso. Preciso sair da defensiva. Desligar o meu modo combate. Só é difícil. É difícil acreditar que depois de lutar tanto para se reerguer depois das más experiências passadas, qualquer nova expectativa não vá me derrubar outra vez.
Mas olha, quer saber? Cansei. Cansei mesmo. Se com as cercas elétricas ligadas em volta de mim eu não consigo ser feliz, talvez seja a hora de desarmar as minas que escondi, desativar os alarmes e viver de peito aberto. Pode ser que eu caia do cavalo mais uma vez, mas eu preciso parar de ter medo de viver.
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