Um mapa afetivo de Paris
Estou orgulhoso pela sua viagem. Afinal, estamos falando de uma cidade que começa com a sílaba “Par” e você pousando em estado impar. Torço pela viagem dos outros, dos que merecem meu afago. Gosto mais ainda de indicar paradeiros interessantes como se eu fosse uma lacuna auxiliar, que preenche a falta de detalhes. De vez em quando faço mapas afetivos sobre os meus lugares, dou de presente as minhas referências, os meus beijos turísticos, meu formol de verões no papel. Ofereço os meus pés como restos de memória, de retalhos eu diria; para que você junte com os seus. Eu quero estar com você, mas também quero que você exerça o olhar acidental, e que você cante, como num filme do Honoré.
Chegar a uma cidade não é apenas um instante físico, é frutífero assimilar os lugares de modo sensorial, o cair de ficha dentro de um espaço-contexto, algo que te afeta, um sabor, um cheiro, uma canção, ou nada – nada é sempre uma hipótese também. Para isso, recomendo um fim de tarde na ilê Saint-Louis . É uma pequena ilha situada no peito de Paris, no 4°arrondissement, nas costas da Catedral de Notre-Dame.
Respire os barzinhos, os artistas de rua, se envolva pelos efeitos de apreciação. Aproveite e sente naquela ponte de acesso para ouvir os senhores do acordeom. Usei propositalmente o termo “acesso”. Se possível, peça para algum deles tocar Yann Tiersen. Você vai sentir um estranho sentimento de saudade de si. E talvez pise pela primeira vez em Paris, quem sabe pelos ouvidos, como foi comigo.
Nas pâtisseries, repare no ‘Bon jour’ agudo das atendentes, observe os hábitos de quem está voltando do trabalho, eruditos fumando de pernas cruzadas, mulheres elegantes com baguetes que transbordam da bolsa. Ou, investigue a existência de uma figura bastante folclórica e emblemática de alguns edifícios: as concierges. São senhoras que trabalham como zeladoras na entrada dos condomínios, geralmente possuem gatos de estimação e têm por hábito observar tudo o que acontece nas ruas com uma feição mal-humorada. Não sei se são lendas ou bruxas urbanas, mas elas existem, alguém me disse. Se achar alguma, tire uma foto para que eu não passe por mentiroso.
Faça o “roteiro Amelie”, quebre a casquinha do brulé no Café Deux Moulins. Realize a famosa peregrinação por Montmartre, o bairro-cenário do filme. Lá existem lojas mágicas, pessoas que parecem foragidas de um filme do Jean Pierre Jenet e uma lanchonete fofa que vende quiches com anões de enfeite. Procure pela loja de corantes, prove o suco de maçã do amor, é proibido fotografar – diz a senhora megera. Ali perto, fica a Rue Lepic, o lugar dos badulaques baratos, não se esqueça de me trazer uma lembrança. Aproveite para tirar a foto em frente ao Moulin Rouge, porque entrar lá lhe custaria um rim e uma roupa de gala que faria volume na mala.
Os museus. Eu sei que você vai querer ir ao Louvre. Já que eu não posso evitar, a dica é: procure no Google alguns links com dicas para pegar menos fila e se prepare para a sala da Mona Lisa. Ela de fato sorri para qualquer ângulo, mas é pequena e distante, mais distante pessoalmente eu diria. É disputada também: estar com Mona Lisa é uma experiência entre cotovelos hiperativos e flashes compulsórios. Não deixe de ir ao Pompidou, um museu de vanguarda, cheio das mais malucas obras de artistas alternativos. Vá também ao Musée de l’Orangerie, um pequeno reduto impressionista. Dedique meia hora às ninfeias do Monet, olhe bem, cada detalhe, cada diva, é fantástica a sensação escorregadia em relação às cores, elas parecem se mover.
Por fim, entenda que esse guia é limitado ao olhar da primeira vez, e mesmo assim evitei falar do óbvio. Lembre-se que de que Paris vive um momento triste, cintila uma tristeza distante, cuidado para não cobrar elegância do luto. Leve um lenço e ofereça aos jacobinos, enxugue a desconfiança, não escorregue na chuva, namore um romance mesmo sem par.
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