Vivendo depois do final feliz
Todo escritor, no fundo, é um idiota que acha que, um dia, aquilo vai acontecer com ele. Todo. Quem escreve sobre super-heróis, no fundo, queria poder ver através das paredes ou voar. Quem escreve sobre temas policiais queria, com certeza, estar ele nas ruas prendendo malfeitores e beijando mocinhas voluptuosas no final. E quem escreve comédias românticas ou romances, quer, sem sombra de dúvida, viver uma comédia romântica. E eu não fujo à regra. Quer dizer, não fugia.
Eu já quis muito vier uma comédia romântica. Engraçada, empolgante, triste durante uns vinte minutos e com final feliz. Já quis e já vivi algumas. Ok, no percurso vivi também um caso de comédia romântica que vira um filme de suspense/terror, mas acontece. Como eu dizia, já vivi algumas comédias românticas. Mas hoje eu percebi que eu nunca quis viver uma comédia romântica. No fundo eu queria viver o que vem depois da comédia romântica. O que vem depois do letreiro, depois do nome do roteirista e do diretor, depois que a luz do cinema acende. Era isso que eu queria viver.
A parte do suspense, da ansiedade, da tristeza que vem antes do clímax, isso tudo é muito bom. Mas melhor ainda é se sentar no sofá ganhando cafuné dela e se lembrando que essa parte já passou. Que hoje, com vocês morando juntos e com um relacionamento estável, é muito melhor viver o “e foram felizes para sempre”. É bacana relembrar as ansiedades, os medos do “não”, a fase do “não sei se tô me apaixonando ou se são gases”, tudo isso é muito bacana. Mas bacana mesmo é já ter passado por isso e poder ver graça nisso depois. Ver graça na ansiedade de estar no carro indo para a casa dela pedi-la em namoro. Ver graça na primeira crise suas de ciúmes. Ver graça de quando você não tinha dinheiro nem pra tomar um café na rua e vocês comeram macarrão durante três dias seguidos, só pra ela te mostrar que isso é o que menos importa.
Pegar duas horas de trânsito voltando do trabalho é muito menos penoso quando você sabe que ela vai estar te esperando em casa. A segurança de que o filme acabou e que você já está vivendo o seu final feliz é muito mais prazerosa que a emoção do clímax da comédia romântica. Pelo menos é quando você não tem mais vinte anos e já se cansou de ver comédias românticas acabarem em drama. Ah, mas eu ainda imagino como seria se eu lesse mentes ou tivesse a velocidade do Flash. Isso não muda.
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