Você ainda é um pouco meu
Eu sei que ninguém é de ninguém. Sei que possessividade é um defeito. Sei que devo me recolher às regras do fim. Já memorizei toda a ladainha contemporânea do desapego e compreendi, inclusive, que afeição é démodé. Mas eu sinto. Eu simplesmente sinto. Eu ainda lhe sinto um pouco meu.
A verdade é que eu nunca gostei dessa coisa retilínea de começo, meio e fim. Acho careta. Antiquado. Previsível demais para quem se equilibra na utopia de permitir que as sensações orientem o viver. Talvez seja por isso que mesmo hoje, depois de tantos outros, eu ainda não assimile nosso infelizmente fim.
Não vou dizer que não estou feliz. Obviamente estou. Nunca fui de abrigar tristezas, você bem sabe. Longe de você vivi experiências que obviamente não viveria na sua amada presença. Senti outras pessoas. Vivi outros lugares. Desbravei novos desejos e confesso, do alto do saudosismo que agora me invade, que se pudesse fazer diferente, eu não faria.
Mesmo assim lhe sinto meu. Sinto que tudo em você me pertence. Sinto que ainda que você namore, se case e faça muitas bodas, ninguém além de mim conhecerá o cara que você foi comigo.
Ninguém conhecerá as três pintinhas atrás da sua orelha esquerda e nem compreenderá essa mania chata de manter o volume da TV sempre em números pares. Ninguém fitará seus olhos tão atentamente a ponto de perceber que o olho direito é apaixonantemente mais claro que o esquerdo e que a sua pupila dilata quando você diz “eu te amo”.
Ninguém jamais perceberá que seus caninos têm manchinhas de flúor e que você não gosta de massagem nos pés. Ninguém compreenderá as delícias do seu existir nem as angústias que às vezes lhe abatem quando alguém resiste a lhe ouvir.
E ninguém saberá porque tudo isso é meu. Tudo isso pertence somente a mim. Podem dizer que sou egóica. Egoísta. Sádica. Saudosista. A verdade é que eu não lhe quero para mim. Só quero que você saiba que ainda tenho muito de você sorrindo, vivendo e às vezes também doendo em mim.
Comentar sobre Você ainda é um pouco meu