Você passou
Sabe, tem sido meio difícil me despedir de você. Eu já sabia que seria. Só não sabia que doía.
Eu inclusive sei que não deveria, que esse clichê é uma porcaria, mas às vezes me flagro revendo seus bilhetes e fotografias. Eu sinto falta delas. Sinto falta dos momentos em que falei “Olha aqui pra foto!” e você virou o rosto mal humorado dizendo que seu cabelo estava mal ajambrado. Mal sabia você, do baixo dessa sua insegurança fugaz, que ele estava lindo demais. Uma mecha teimosa caía sobre o seu olho esquerdo e fazia você apertá-lo naquela piscadela charmosa que só você sabe como faz.
Agora você está aqui, piscando para mim nessa tela de celular. Embora eu finja ignorar, sei que a essa hora você já deve distribuir piscadelas para tantas outras tolas, que certamente, assim como eu, vão se encantar. Você tinha mesmo essa mania vulgar. Lá no fundo eu sempre soube que aquela piscadela maliciosa, cedo ou tarde, teria uma lição relevante a desensinar.
Foi assim, piscando despretensiosamente, que você disse, num tom sóbrio e preocupado, que eu não deveria confiar em ninguém. Eu entendi o recado. Só não sabia que isso incluía você.
Hoje eu me pego aqui, saudosa do seu piscar não confiável. Saudosa da sua falta de bom senso e da fluidez do seu andar. Eu sabia que não seria eterno. Sabia mesmo. Dava para ver na inquietude com que você esperava o tempo passar. Só não sabia que naquele mesmo piscar de olhos desconfiável, você iria me deixar. E desleixar. E devastar.
Não me lamento pelo que passou. Lamento porque você passou. E passou depressa demais. Mas não te culpo. De um jeito ou de outro, você me alertou. Eu confiei porque quis. Porque quando eu vi esse olho esquerdo entreaberto, eu nem lembrei de confiar, eu só queria mesmo te amar.
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