2014: ano de abraçar o tempo
Farajei muitos indícios para afirmar que o ano que se está terminando foi uma professora carrasca: 2013 foi ano de pólvora, foi um ano que parece ter começado ao contrário: resoluções, explosões, notícias definitivas logo de início. O mundo não acabou. Continuamos. Nunca vi tantos acontecimentos de grande impacto, foi com emoção, foi correria, foi como sair correndo de um laborátório de testes químicos. Fomos salvos. O brasileiro virou “saramandense”, e nós nos libertamos, fomos todos pra rua, participamos de um fenômeno político viral, a classe média mudou de discurso da noite pro dia, o gigante acordou e depois voltou a dormir em sua casinha.
Esse ano a grande questão existencial que me afligiu foi a falta de tempo dos humanos. O tempo é uma moeda valiosa, não sei se eles sabem. Ter tempo no fim das contas é o que vale a pena, é a grande riqueza. É claustrofóbico ver o quanto eles trabalham para ter tempo de descansar , para depois, trabalharem novamente. Odeiam segunda-feira porque usaram o fim de semana para esquecer o quanto odiaram a semana anterior, em que passaram ocupando o tempo como cobaias de algo que fingem gostar; e quando chega um tal dia que eles chamam de “sexta-feira sua linda”, se sentem falsamente livres e eu fico com as orelhas em pé de ver tamanha auto-enganação; se eles soubessem o quão bom é ter tempo para um bom cafuné ou para dar atenção ao afeto.
Percebi que eles usam o tempo com conversões convenientes e para isso, inventam matemáticas tóxicas para enganá-lo. Dão margens falsas de atraso: dizem que vão demorar cinco minutos já sabendo que o atraso será de meia hora. Possuem uma tabela imaginária de câmbio pros minutinhos inventados: quando dizem “um segundo” vão demorar “um minuto”, quando dizem “um minutinho” vão demorar cinco e assim vai. Retardam atrasos com manobras espertinhas: marcam um evento as oito, “pras pessoas chegarem as 9”, e nesse meio tempo esquecem de levar os cães pra passear.
Tempo virou um sinônimo para substituir palavras de uso delicado como “prioridade”. “Não tive tempo” é uma das desculpas mais mentirosas que existem, camuflam alguma prioridade que desfavoreceu alguém. Minha pequena sabedoria diz que tempo não é dinheiro, tempo é vida. Quantos humanos são compulsivos por atrasos, sem perceberem. Marcam compromissos colados uns aos outros sem pensar no tempo de mobilidade entre eles, e nesse meio tempo quem paga o pato somos nós: esquecem de colocar nossa ração. No trânsito o tempo se transforma em egoísmo; a lógica dos humanos é: “a minha urgência é sempre mais urgente que a do carro vizinho”. Ouvi uma vez um humano dizendo: “tempo significa vida; quando você se atrasa, está de certa forma roubando vida de alguém.”
Em 2014 sejam mais honestos com o tempo, sejam mais pontuais, ser pontual é uma forma de honestidade. Olhem mais para o tempo e menos pros relógios. Relógios fazem o tempo demorar, fazem com que ele fique insportável. Não olhem pro relógio, olhem mais pra mim.
Assinado: um Beagle que fugiu do laboratório e que agora, tem tempo.
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