A grama do vizinho é sempre mais verde?
Todo mundo conhece alguém que se apaixona mais do que troca de calcinha – ou de cueca.
Na fila do supermercado, um cara pediu que sua amiga tomasse conta do carrinho dele enquanto ele ia à seção de refrigerados buscar o iogurte que havia esquecido. Para você, isso pode não passar de um mero acaso, mas para ela, é paixão arrebatadora, daquelas que cortam a fome. No ônibus, uma moça que estava sentada se ofereceu para segurar a mochila pesada daquele seu amigo que ficou de pé. Para você, é apenas uma gentileza. Mas para ele, é vislumbre de casamento no campo, de labrador correndo pela casa e de filhos penteados sorrindo à mesa do café da manhã.
Na portaria de um prédio comercial, um menino segura a porta do elevador para o seu amigo entrar. Para você, ele pode tão somente querer evitar um acidente, porque trabalha lá e conhece o “temperamento” complicado daquele elevador. Mas para o seu amigo, é uma declaração de amor e a iminência da necessidade de se assumir gay para a própria família.
Será que eles vão reagir bem? E se meu pai me colocar para fora de casa? E se minha avó enfartar? E se minha tia achar que o pastor da igreja dela pode ~resolver~ essa questão? E se a gente for expulso de um bar enquanto se acaricia? E se o Bolsonaro assumir a presidência e sancionar o estatuto da família, como a gente vai fazer pra ter filhos? A sua mente ficou presa na porta do elevador. Mas a dele… ah, a dele passou pela porta, subiu ao décimo primeiro andar, participou da reunião com o cliente, voltou para casa, encontrou o alvo de sua paixão no happn, puxou papo, marcou encontro, beijou, transou, namorou, noivou, casou, viajou para Kuala Lumpur na lua-de-mel e voltou bronzeada e preocupada com as eleições de 2018. Porque ele é assim, não adianta. Enxerga possibilidades de sexo, cafuné, namoro, pipoca e Netflix num simples sorriso. Casa na balada, troca Whatsapp e manda bom dia, boa noite e eu te amo na semana seguinte.
Uma em cada cem vezes na vida desses nossos amigos, o amor, enfim, se concretiza. Vira namoro. E aí é aquela efusão de felicidade, aquele transbordamento de paixão. Nem Alexandre Magno conquistando a Babilônia, nem Nero incendiando Roma, nem a Inglaterra e a Prússia derrotando Napoleão Bonaparte em Waterloo: jamais na história da humanidade alguém demonstrou entusiasmo igual ou maior do que o da sua amiga quando ela, finalmente, engatou um relacionamento sério com o bonitinho da fila do pão. Ai, amiga, agora é de verdade. Nunca amei tanto assim na minha vida. É um amor tão grande, que nem cabe aqui dentro. Ele também se amarra em filatelia, em pesca submarina e em salada de berinjela. Fomos feitos um para o outro. Não tem como dar errado.
Mas dá. Não que ele seja estúpido. Nem intransigente. Nem desleal. Nem rude. É só que ele não tem o brilho nos olhos que o moço do supermercado tinha. E ele não fala tão manso quanto o vizinho que a ajudou com as sacolas. E ele não tem um papo tão bom quanto o bartender daquela baladinha alternativa. E ele acorda com bafo – algo que, certamente, não acontece com aquele cara que sai da academia a hora em que ela chega. E ele teima em deixar a toalha molhada da cama – cacoete que o galã da novela das onze sem dúvida não tem. E ele assiste àquele seriado chatíssimo – certeza que aquele veterano da faculdade não suporta essas ficções científicas de meia-tigela.
E por mais que ele fosse uma mistura de Brad Pitt com Joseph Gordon-Levitt, ele teria defeitos que o balconista da padaria não tem. Porque, para os apaixonados crônicos, as paixões [quase] impossíveis são sempre mais anestesiantes. Roubam mais o ar. Têm mais potencial dramático. Soam melhor. Para os apaixonados crônicos, borboletas caem melhor no estômago do que sal de frutas. Do que arroz e feijão na hora da fome. Do que Epocler em manhã de ressaca. E muito embora isso tudo me pareça inevitavelmente estranho, eu entendo. É que, como já dizia o ditado popular, a grama do vizinho é sempre mais verde.
Até a gente dar um pulinho lá para conferir de perto…
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