A mocinha da comédia romântica
Eu sou um sujeito muito ordinário. Não ordinário no sentido de vulgar, mas ordinário no sentido de comum. Se algum grande escritor fosse me descrever, não teria o que falar além de quatro linhas. E mesmo porque só meu nome completo ocupa uma linha inteira. Morro de inveja daquelas descrições como a de Capitu ou a de Dom Casmurro. Morro de inveja de pessoas com olhares oblíquos, sorrisos misteriosos ou gestos contidos e calculados. No meu caso eu seria um figurante em uma obra de literatura, daqueles que o autor só descreve fisicamente, e geralmente tem algum defeito como “manca da perna direita” ou “tem um cacoete de piscar os olhos demoradamente o tempo todo”.
Mas ela não. Ela merecia uma descrição digna de Machado ou do Dostoiévski. Olhares, sorriso, gestos, (poucas) palavras, tudo parece ser calculado para caso haja um grande escritor atento observando. Às vezes quando olho pra ela me sinto em um filme do Woody Allen, em uma daquelas cenas onde a mocinha aparece pensativa, com um olhar misterioso, ou simplesmente linda catando flores com um vestido meio ripongo. Dá até pra ouvir a trilha sonora ao fundo, baixinho, quando ela vem andando na portaria do prédio dela pra entrar no meu carro, linda, com os cabelos ao vento, olhar despreocupado e aquele sorriso lindo de quem acabou de saber que ganhou na loteria e já está planejando mandar o chefe à merda antes da hora do almoço. Na verdade nessa hora a trilha é Ain´t she sweet, dos Beatles.
Enquanto eu mal termino de pensar antes de falar, ela raramente fala, tal qual as mocinhas das melhores comédias românticas. Antes de falar você a vê séria, contemplativa, de uma maneira que só Vinicius descreveria bem. Vocês ficam cinco, dez minutos em silêncio, e no final ela te olha de um jeito que Machado levaria três páginas para descrever com fidelidade, e ainda assim não lhe faria justiça. E quando ela te abraça, passando a mão pelos seus cabelos desgrenhados e olhando para o vazio sobre o seu ombro, nem mesmo um capítulo inteiro de Flaubert descreveria a cena de maneira justa.
Nem o Verissimo com as suas geniais descrições conseguiria transcrever com fidelidade os longuíssimos momentos em que ela fica séria, olhando para um ponto fixo, como um carrasco que está se decidindo se vai almoçar peixe ou sopa depois de cortar a cabeça do condenado, e depois desse momento de reflexão, ela abre o sorriso mais lindo do mundo e te dá um beijo rápido com muita vontade, como uma menina de onze anos que beija o pôster do Bon Jovi. Ok, na geração de vocês, do Justin Bieber. Nem o Verissimo.
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