A chave é se distrair, mesmo que precise parcelar

A mais recente edição da revista americana Esquire publicou um belo depoimento dado pelo gênio Woody Allen e, por pensar exatamente da mesma maneira que o cineasta, faço questão de compartilhar um pedaço de tal devaneio:

“É só um acidente estarmos na Terra, aproveitando nossos momentinhos bobos, nos distraindo sempre que podemos, assim não temos que encarar o fato de que, somos pessoas temporárias com um tempo curtíssimo de vida num universo que um dia não existirá mais. E tudo o que você acha importante, seja Shakespeare, Beethoven, Da Vinci, ou qualquer outro, vai acabar. A Terra vai acabar. O Sol vai acabar. Tudo vai acabar. O melhor que você pode fazer na vida é se distrair. O amor funciona como uma distração. E o trabalho funciona como uma distração. Você pode se distrair de bilhões de maneiras diferentes. Mas a chave é se distrair”.

Depois de ler as palavras de Woody, também compartilhadas na edição de setembro da Revista VIP, minhas pupilas, magicamente, dilataram. Confesso que foi bem melhor do que dar um tapa na pantera, pois minha percepção também dilatou consideravelmente e, graças à lembrança da brevidade da vida, ganhou ainda mais cor e muito mais nitidez.

O café, que já estava em minhas mãos quando abri a revista, antes apenas mais um cafezinho expresso bebido quase que como um compromisso, ganhou notas saborosas que nem o melhor barista poderia sentir, pois, naquele momento, passei a beber muito mais do que o suco negro extraído de grãos moídos e torrados: comecei a beber, mais uma vez, a vida que andava entrando goela abaixo. Vida que, movida por desejos questionáveis inventados pela máquina corporativa, por roteiros hollywoodianos e até por publicitários, como eu, estava sendo tomada, como quem sorve um remédio amargo. Vida que, motivada pelo desejo de acumular bens que não valem nada além de dinheiro, estava sendo vivida demasiadamente séria e pior: sem distrações entre o trabalho e a casa, entre a sexta e a segunda-feira, entre a meia noite e sete da manhã. Vida na qual a inércia criada pela rotina hermética impedia qualquer movimento em busca das distrações e todo passo em prol daquilo que, de acordo com a ótica capitalista, era perda de tempo e de dinheiro.

Em tempos de “funk ostentação”, seres adoçados por Camaros amarelos, rappers com dentes de ouro e mulheres ricas empobrecendo o horário nobre da TV, confesso: a cada dia que passa, pra mim, o dinheiro desvaloriza bem mais do que a própria e implacável inflação.

Não estou aqui pagando de monge ou dizendo que, de agora em diante, abdicarei de todos os luxos do mundo humano. Na verdade, ainda quero ser rico o suficiente para nunca mais precisar olhar os preços estampados nos cardápios da vida e para, quando quiser, sempre que sentir vontade, poder pegar um avião para algum canto escondido do globo. Quero o dinheiro para comprar experiências capazes de me distrair, de me encher de boas histórias e de cicatrizes úteis na arte de lembrar por onde não devo andar.

Espero que os economistas não me ouçam, pois meu conselho e, provavelmente, também o do Woody é: distraia-se já, mesmo que para isso tenha que parcelar a tão sonhada viagem em 36 vezes. Já parou para pensar que logo, digo logo mais, tudo poderá acabar? Não? Estava distraído demais se esquecendo de distrair-se de verdade? Estava ocupado demais com coisas sem importância? Não estou dizendo para matar o trabalho ou para, de uma hora para outra, viver só de distrações, pois bem sabemos que nem toda distração é capaz de pagar as contas. Mas, meu caro, preste muita atenção: ficar doze horas diárias no escritório pode não ser o real segredo do sucesso. Esqueça os exemplos de super pessoas que você vê na Revista Você S/A, gente que com 12 anos de idade completou mestrado em Harvard e liderou dezoito pesquisas nonsense promovidas pela Universidade de Massachusetts. Talvez, vivendo assim, você enriqueça, mas, provavelmente, quando quiser gastar seus dólares acumulados, não terá mais tempo e nem saúde suficiente para usufruir de tudo isso. Pense bem, meu caro.

Antes que eu seja morto por algum planejador financeiro, saiba que poupar, em muitos casos, pode ser um ato prudente e capaz de garantir certo conforto no futuro, mas cuidado ao investir todas as suas fichas no futuro, pois ele é somente uma hipótese. Uma suposição, muitas vezes, ingrata pra caralho. E, quando morrer, será bem mais frustrante do que voltar de uma festa junina e encontrar um bocado de fichas no bolso, pois não terá mais junhos em sua vida e nenhuma outra chance de tomar quentão.

Não estou dizendo para sacar toda sua poupança e gastar no bar mais próximo, apesar de considerar o bar uma ótima distração e um investimento de risco somente para o fígado e para o casamento. Só quero que pense bem e me diga: você está se distraindo com coisas que realmente dão valor à vida ou está distraído, dormindo no ponto, a ponto de não perceber que está gastando todo o seu tempo para juntar algo que nem sabe se um dia poderá gastar?

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