A vida como ela não é: Por que todo mundo é feliz nas redes sociais?
Vivo num dilema mais sério que o de Hamlet. Se ele se preocupava em ser ou não ser, eu me preocupo em amar ou não amar a internet. Detalhe: num mundo em que tudo gira em torno internet. Em que os preguiçosos afastam a barriga do fogão e se limitam a presentear o colesterol com alguma comida industrializada pedida pela internet. Em que os amantes à distância, numa tentativa desesperada de resolverem a saudade e o tesão reprimido, fazem sexo pela internet. Em que os colegas de escola abrem mão das deliciosas reuniões em casa, regadas a bisnaguinha com requeijão e laranjada, para fazer trabalhos escolares pela internet.
Se por um lado, a internet nos permite fazer coisas maravilhosas – como rir de memes engraçadíssimos, ouvir o Spotify-nosso-de-cada-dia, ler livros completos sem sair do quentinho do cobertor, ter acesso a uma mídia menos tendenciosa e assistir Netflix-amor-sincero-amor-verdadeiro (<3) –, por outro, ela é um antro de insuportabilidades.
Todo mundo feliz, lindo, maravilhoso, penteado, disposto, sarado. E eu triste. Descabelada. Com preguiça de tomar um simples banho. E com uma vontade celestial de dormir ou de sabotar a academia para assistir Netflix de pijama.
Todo mundo com uma vida social de dar inveja a Amaury Junior: look impecável, nos lugares mais badalados, segurando uma garrafa de Ciroc. E eu de sapatilha, lápis de olho borrado, no inferninho da esquina e tomando Bavária.
Todo mundo na pegada “love my job”, mesmo que esse “job” seja atender clientes mal-educados, tropeçar a cada puxão de tapete dos colegas e suportar um chefe egocêntrico. E eu pedindo demissão a cada ano e chegando cada vez mais perto da irrefutável e trágica conclusão de que nunca nessa vida vou encontrar um trabalho que me faça minimamente feliz.
Todo mundo homenageando a BFF nesse último dia dos amigos, com juras de amor eterno e lembranças ~daquela tarde com filme, pipoca e brigadeiro na frente da TV, risos~. E eu pensando que nunca tive melhores amigos. Não porque sou sozinha ou chata ou introspectiva, mas porque sempre me dei muito bem com os mais variados perfis de pessoa e transitei tranquilamente entre os mais diversos grupos – até mesmo entre rivais –, o que me leva a ter dificuldades de cultivar uma única amizade com tanta intensidade.
Todo mundo almoçando com a família perfeita, num restaurante perfeito, à mesa os talheres perfeitos para uma refeição perfeita. E eu no terminal Sacomã, em pleno domingo, esperando o ônibus chegar pra poder ir à casa dos meus pais comer, num prato Duralex âmbar que eles ganharam de presente de casamento, arroz e feijão com bife acebolado e salada de alface e tomate.
Todo mundo fazendo coisas extraordinárias, e eu fazendo o trivial. Todo mundo em companhias inacreditáveis, e eu na sutil companhia daqueles que eu vejo todo dia. Todo mundo expondo virtudes, e eu escondendo defeitos.
Os eufóricos que me desculpem, mas um pouco de melancolia, de vez em quando, é fundamental.
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