Acelerando embriagado na direção do amor perdido
Nesta segunda um leitor (sim, há leitores homens no Entenda os Homens!) me adicionou no Facebook e pediu ajuda sobre seu caso pessoal. Sua dúvida, em resumo, era o que fazer quando a outra pessoa termina um relacionamento longo e cheio de momentos felizes e demonstra não estar a fim de reconsiderar sua decisão.
Ir atrás adianta, quando o outro demonstra que deseja seguir em frente sozinho? Expor a falta que o outro nos faz adianta, quando ele nos insinua que estamos sobrando? O que fazer quando um relacionamento termina e, insistindo na reconquista, encontramos apenas rejeição?
Se o amor é um sentimento poderoso, então o amor ferido, que encontra fim abrupto e unilateral, é uma força que se desespera, que perde a noção de seus limites e o controle sobre si próprio. Após um fim que não esperávamos, estamos bêbados, mas não é uma ebriedade boa, e sim uma embriaguez atormentada, perigosa.
É como quando dirigimos embriagados. São grandes as chances de fazermos bobagem e causarmos um acidente terrível, se não estacionarmos imediatamente e aguardarmos essa embriaguez passar.
O perigo “na direção” está justo no fato de que sabemos que a outra pessoa ainda sente algo por nós – até porque os laços afetivos raramente são desfeitos assim, de um só golpe. Por isso, mesmo que o outro diga com todas as letras que não nos quer mais, que tudo acabou para sempre, preferimos nos agarrar aos sinais sutis e indiretos de que ele ainda se preocupa conosco para alimentarmos nossas esperanças.
Geralmente, o pior passo nesse momento é justamente aquele que mais queremos dar: acelerar embriagados na direção do amor perdido, tentar um retorno imediato do relacionamento, buscar reconquistar a pessoa a todo custo e por todos os meios. O passo mais recomendado é justamente o mais difícil de aceitar: estacionar o carro e aguardar a tempestade passar.
Se houve o termino unilateral do relacionamento e as tentativas de retorno não deram certo, é porque a imagem que a outra pessoa tem de nós é como um espelho que se rachou. E, no estado atormentado em que nos encontramos, qualquer tentativa de reconstituir a imagem original será feita por mãos nervosas, que apenas deixarão o espelho cair novamente.
Nesse caso, a própria insistência em fazer com que esse espelho volte a ser como era lá no início do relacionamento pode resultar em outras rachaduras, correndo o risco de ele se quebre definitivamente. E se o espelho quebrar em mil pedaços, ficaremos tentados a acreditar que é verdade aquela imagem distorcida e fragmentada de nós mesmos que ele reflete, ainda que seja apenas um truque de ótica. Em outras palavras, nossa autoestima pode receber um golpe quase fatal, se insistirmos num amor perdido.
Em parte isso ocorre porque nossa determinação de resgatar o amor a todo custo é uma daquelas provas que dispensam o outro de amar o suficiente. E também ocorre porque, em tal situação, tendemos a mostrar ao outro o quanto precisamos do amor dele, e não o quanto ele precisa de nosso amor – tarefa essa muito mais difícil, até porque não sabemos o que se passa realmente dentro do coração da outra pessoa.
É possível até que o outro confunda nossas demonstrações de amor com fraqueza, como se fossem sinais insegurança. E se o outro está determinado a terminar a relação, sua tendência é utilizar tudo em nosso desfavor, para minar o próprio afeto que sente por nós – e poucas coisas são mais desinteressantes e broxantes do que alguém inseguro.
Fins de relacionamento, principalmente aqueles em que a decisão não foi sua, são ocasiões em que se deve tentar direcionar toda a energia para o aprendizado e o desenvolvimento pessoal. Sofrer porque o relacionamento terminou não é uma opção, e sim uma imposição de nosso amor ferido. Porém, ficar preso à situação e não retomar sua vida na busca de novas oportunidades é uma escolha que se faz, e das piores.
Nesses momentos em que seu “carro” deve ficar estacionado ainda que por alguns instantes, a melhor forma de resistir à tentação de acelerar e ir em direção ao outro é manter a mente ocupada. O ideal é criar uma enorme distração, como fazer um curso ou viagem há muito sonhada, ou ainda desempenhar alguma tarefa que lhe propicie um novo talento ou recurso pessoal, como cozinhar, tocar um instrumento ou se aprimorar fisicamente.
Isso porque, se há alguma chance, ainda que remota, de o outro retornar a seus braços, será no futuro e em outras circunstâncias, quando você não estiver mais tomado pela embriaguez tormentosa do amor ferido.
Por outro lado, mesmo que não exista chance alguma de retorno, a única forma de transformar esta experiência de crise numa vivência proveitosa é utilizando a oportunidade para evoluir e crescer. E isso sempre será muito útil, seja para que você se torne ainda mais merecedor de um novo amor que surgirá em sua vida, seja para que aquela pessoa que ficou no passado, ao testemunhar nossa evolução, cumpra o desígnio previsto por Frida Kahlo em relação a quem termina um grande amor: aunque tu no me quieras, quiéreme tantito (ainda que não me ames, ama-me um pouquinho).
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