Amar é ceder
Ela ama as músicas do Roupa Nova, e eu, apesar de achá-las tão emocionantes quanto os programas da TV Senado, somente para fazê-la feliz, costumo colocá-las para tocar no som do meu carro. E não paro por aí: só para vê-la gargalhar, como amo presenciar, eu imito a voz “diarréica” do Serginho Herval e, sem medo de chocar os que estão ao meu redor, canto: “Oh! Dona desses animais…”.
Ela nunca gostou de artes marciais e, antes de me conhecer, era capaz de confundir o José Aldo com o Anderson Silva. Antes de mim, ela não sabia a nítida diferença entre um soco e uma chave de braço. Porém, por gostar de mim, ela não apenas aceita os meus olhos vidrados em rounds de MMA como também aprendeu a fazer comentários mil vezes melhores e mais técnicos do que os feitos pelo Galvão Bueno. Para a minha surpresa, de vez em quando ela diz: “Gostei dessa single leg. Agora é só passar a guarda e depois finalizar com uma guilhotina!”. É claro que ela também assiste às lutas para apreciar os tanquinhos dos lutadores, mas, sempre que vemos UFC aqui em casa, eu percebo o quanto ela faz o possível para me ver feliz. Ela nem se assusta mais com as cambalhotas e bicudas no ar que dou, acredita?
Ela sabe dançar, já eu, danço tão bem quanto o Carlinhos de Jesus depois de ser atropelado por um ônibus dirigido pelo Toninho do Diabo. Não sei dançar. Não gosto de dançar. Porém, só para vê-la sorrir, vez ou outra, eu a acompanho com um sorriso de Rodrigo Faro impregnado na cara até a pista de dança. É claro que eu preciso beber algumas doses (umas 12) de tequila antes, mas respiro fundo, alongo os quadris, peço um funk das antigas (de preferência algum do Bonde do Tigrão) ao DJ e requebro feito o Cumpadi Washington em dia de exorcismo. Se ela dança, às vezes, eu danço. Porque amar, entre outras coisas, é fazer esforço para dançar junto, é abrir mão de orgulhos bobos para fazer o outro bailar feliz.
Ela sente aflição só de pensar na textura do peixe cru, e eu, como bem sabem, tenho um orgasmo a cada vez que abocanho um sashimi. Parece um problema sem solução, mas, por saber o quanto afogar o peixe no shoyu me faz feliz, algumas vezes, em vez de sugerir uma pizzaria ou um hambúrguer de minhoca, ela me pergunta: “Vamos a um japa?”. “Mas você não gosta de nada que tem lá!”, eu respondo. E ela, fingindo salivar, diz: “Claro que eu gosto. Adoro tempurá, salmão grelhado e hot roll!”. Sabem como eu agradeço por isso? Eu insisto para que ela experimente as mais diversas e exóticas iguarias da culinária japonesa! Rá! Até ovas de salmão e ouriço, por amor, ela já comeu. Sou apaixonado pela cara de nojo que ela faz! Eu digo: “Deixe de frescura e engula logo esse filhote de enguia!”. Brincadeira, meus caros. Depois que ela quase chamou o Hugo por causa do tentáculo de um polvo, eu parei de brincar de No Limite com ela. No máximo, eu enfio uma bolinha de raiz forte dentro da boca dela e só deixo ela beber Coca-Coca depois de imitar a Lacraia sobre a mesa. “Vai lacraia, vai lacraia…”. Brincadeira, brincadeira…
O amor, do tipo verdadeiro, é o mais perfeito antídoto contra o egoísmo e uma lição diária de parceria. Quando amamos, de verdade, aprendemos a ceder o controle da TV, a dividir o tempo que antes de amar usávamos apenas em nosso benefício e a enxergar na satisfação do outro uma indubitável razão para a nossa satisfação. Percebem o que o amor faz?
Não estou dizendo para virar a cadelinha adestrada do seu namorado ou para fazer apenas as coisas que o agradam. Não precisa agir como alguns amigos que, por amores possessivos que mais se parecem com rituais de dominação, hoje só fazem o que a namorada quer, ou seja, passam o final de semana todo carregando sacolas em shoppings e nunca mais jogam bola com os camaradas. Não estou falando para abrir mão de você e das coisas que lhe dão prazer, nada disso! Apenas, vez ou outra, aprenda a ceder e a realizar algumas vontades – mesmo que diferentes das suas – do seu parceiro. E quando fizer isso, por favor, entre no clima e não faça com cara de criança contrariada. Verá que, mesmo quando não estiver exercendo a sua atividade preferida, poderá extrair muitas coisas boas.
O segredo do sucesso, como em quase tudo na vida, é a dose certa: se você fizer apenas aquilo que o seu namorado quer, obviamente, será exemplo de alguém que abriu mão do amor-próprio e que aceitou a escravidão. E se fizer apenas aquilo que você quer, será uma notável egoísta. Se não sabe ceder, é melhor que você fique solteiro. Se você cede em tudo, a ponto de achar que só existe prazer naquilo que dá prazer ao outro, por favor, volte a se amar.
Quer uma dica? Aí vai: sem deixar de se amar, ame o outro o bastante para não fazer apenas aquilo que só você quer. Se não está disposto a ceder, compre um bichinho virtual.
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