Amargo, quente e delicioso: um café e um amor
“Preto e sem açúcar, por favor”. É meu primeiro teste com qualquer relacionamento (amor, amizade, trabalho). Se vier um julgamento por eu gostar de beber a vida assim, quase à seco, coloco os meus dois pés atrás e visto meus patuás. Não se zomba de quem prefere o sabor amargo a não sentir gosto algum.
Café é símbolo de encontro. É esperando por ele que desdenho os desamores, sussurro os maiores segredos, declaro a beleza da imperfeição. É dividindo xícaras de manhã que declaro meu amor: o barulho da cafeteira é quase um mantra de gratidão à vida que eu escolhi e que me escolheu. Minha segunda maior coleção é de xícaras. A primeira é de momentos.
Diziam que o futuro se lia na borra do café. Nunca pesquisei porque tenho medo de infinitos.
O Nestor transformou café em arte e toda vez que eu olho pra aquele quadro na minha parede a cafeína alerta a minha sensibilidade e a minha saudade. Eu transformei café num livro guardado na gaveta pra eu sempre lembre que histórias podem não ser eternas, mas certos amargores duram pra sempre. O Zeca transforma café em música pra que a gente cante “não quero beber o teu café pequeno” e sinta a língua arder.
Gotas de café caídas são, pra mim, como nuvens. Sempre vejo ali alguma coisa que só os meus olhos conseguem enxergar. Café é o céu que cabe na xícara.
“Preto e sem açúcar, por favor”. Eu gosto de sentir todos os gostos do amor. Porque eu descobri que tentar esconder amargores com açúcares só traz a sensação de não termos saboreado nada: nem a vida, nem o café.
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