Amizade-desbotada

Anna e Luiz Fernando (Lufe) se conheceram abruptamente. Lufe achou Anna linda na rua e deu uma de personagem do Humphrey Bogart (ou do Hugh Grant, para os mais novos): puxou assunto na cara de pau. Foram ao cinema e ficaram no dia seguinte. E nos outros dias que se seguiram. Se davam bem de uma maneira assustadora: ela o entendia com toda a sua ansiedade. Ele a entendia no auge das suas dúvidas e da sua mania de controle. Ele adora ouvi-la falar apaixonada sobre teatro e vê-la irritada porque algo saiu dos seus planos. Três dias depois, ocorreu o seguinte diálogo:

– Amanhã você vai fazer o que? – Perguntou Lufe

– Por que?

– Porque eu tenho uma reunião em Niterói. Pensei em você ir comigo e a gente passear no Parque da Cidade.

– Passear? Melhor não, Lufe.

– Ahn? Por que?

– Porque isso é muito casalzinho. A gente não tá ficando.

– Não? Curioso, eu podia jurar que foi com você que eu fiquei todos os dias nos últimos cinco dias.

– Foi, mas a gente não “tá ficando”. Nós somos amigos e estamos fazendo sexo. Não confunde.

– Amigos? A gente se conhece não faz nem uma semana. A gente ficou no dia que a gente se conheceu. Não tem como eu confundir porque nós não éramos amigos antes.

– Sim, mas agora nós somos. Eu não quero me relacionar com ninguém esse ano, quero focar no meu trabalho. Você acabou de terminar um namoro.

– Bom, desculpa se você interpretou errado, mas eu não te chamei pra ir a Niterói comigo pra eu te pedir em casamento lá. Era só pra gente passear em um lugar bonito, legal.

– Então. Casais passeiam em lugares bonitos, legais. Nós não somos um casal.

– Tá bom então. Se você quiser fazer alguma coisa de noite, me fala e vai lá em casa.

– Tá.

Lufe voltou da reunião umas oito da noite. Mandou uma mensagem para Anna, que disse que não queria fazer nada pois estava de mau humor. Depois de algum tempo, ele a convenceu e ela foi até a sua casa. Ele precisava trabalhar um pouco e, durante umas duas horas em que ele precisou escrever no escritório, ela dormiu no sofá. Quando ele acabou, foi lhe fazer companhia no sofá. Ficaram e fizeram sexo. Foi a primeira vez deles. E foi, sem exagero nenhum, o melhor sexo da vida dos dois. Encaixaram, com o perdão do trocadilho, de uma maneira incrível. Ela passou 24h na casa dele, sem sair nem para comer. Fizeram sexo mais de oito vezes durante esse período, e ambos se levaram às estrelas. Foi, além de inesperado, inacreditável.

No dia seguinte, almoçaram na casa dela e passaram a tarde juntos lá. No fim do dia, ocorre o seguinte diálogo:

– Vamos jantar fora? – Convidou, sempre ele.

– Não. – Ela respondeu, seca.

– Que? Por que não?

– Porque não. A gente tá junto há muito tempo.

– E daí? Não parecia que estava ruim esse tempo todo que estivemos juntos.

– Não tava ruim, mas a gente tá junto há tempo demais.

– Bom, tá. Quer que eu vá embora?

– Quero.

Se segurando para não deixar transparecer sua insatisfação e irritação, ele pegou suas coisas e saiu. Na porta, enquanto ela fechava, ele tentou falar para ela para de se preocupar com as coisas. Mas ela fechou a porta na sua cara.

Algumas horas depois, após uma mensagem de texto malcriada de Lufe, reclamando da “portada” na cara, ela respondeu, pediu desculpas e saíram para lanchar. Lancharam e, à noite, ela saiu com amigas, ele também. No dia seguinte ela ainda estava mal humorada, mas depois do almoço foi até a casa dele. Enquanto ele assistia ao jogo do seu time, ela dormia no sofá. E o padrão se repetiu: ela acordou e eles fizeram aquele mesmo sexo sublime por horas e horas. Até que Lufe, continuando o padrão:

– Dorme aqui. – Pediu ele.

– Não. – Ela respondeu, blasé como só ela sabia ser.

– Por que? Estamos juntos há muito tempo?

– Lufe, nos últimos dois dias a gente passou mais de quarenta horas juntos.

– E?

– E que tá me irritando um pouco.

– Eu tô te irritando?

– Não, a situação.

– Estar com um amigo que você gosta, que você curte conversar, com quem você fez o melhor sexo da sua vida, isso te irrita?

– Não, me irrita a gente estar junto há muito tempo.

– Tá, e aí? A gente então vai fazer sexo só às quartas e sextas? Só nos fins de semana, pra não te irritar?

– Você é muito escroto.

– Não sou não, Anna, eu só não te entendo. Você está irritada porque fez sexo dezenas de vezes nos últimos dois dias, com um amigo que adora você e com quem você se dá super bem!

– EXATAMENTE! Meu amigo que me come tão bem me adora DEMAIS. Não é só sexo pra ele.

– E pra você é?

– É.

– Pra você seria fácil parar de ficar comigo?

– Seria – Mesmo sendo Anna uma ótima atriz, se ela mentiu nessa frase, ela merece um Oscar. Um não, dois.

Lufe ficou sem saber o que dizer. Quis mandar ela se foder. Quis dizer que não era mesmo só sexo pra ele. Quis dizer que era, sim só sexo. Quis dizer tudo. Não disse nada. Ela se vestiu, lhe deu um ardente e carinhoso beijo, e falou, impávida como ela sabe ser quando quer:

– Melhor a gente não ficar mais. Podemos ser só amigos, mas não tá funcionando assim.

– Só amigos? Nós nunca fomos só amigos.

– Mas é melhor. Beijo, se cuida.

E como ela fazia sempre, falou, se virou e foi embora, sem deixa-lo falar. Ele achava que ela fazia isso com medo de que ele pudesse falar algo que a fizesse mudar de ideia. Mas na verdade ela só não queria mais ouvir nada mesmo, já estava decidida. E foi embora. E ele ficou. Seriam só amigos.

Se viram apenas três vezes nos quatro meses que se seguiram. Duas sem querer, e uma porque ela pediu para que ele lhe tirasse uma dúvida com relação a um filme que ele gostava. Pareciam estranhos. Nessas três vezes, a tensão entre elas era enorme, quase palpável. Como diria a frase brega do narrador do Max Payne, a tensão no ar era tão grande que era possível cortá-la com uma faca. A conversa não fluiu. Não estavam à vontade.  Em vinte minutos, falaram o que tinham para falar e foram embora.

Hoje, um ano e meio depois, ela namora um advogado, e só se veem fins de semana. Tiveram problemas: ele teve uma amante e não lhe dá muita atenção, além de ser, nas palavras dela para as amigas, “careta demais na cama. Mas tá bom, não tem problema”. Ele demonstra sono quando ela fala apaixonada sobre teatro e reclama que ela quer mandar em tudo o tempo todo.  Ele teve, nesses 18 meses, duas namoradas. Está começando um relacionamento – o seu décimo segundo – com uma garota onze anos mais nova. Ela fuma, odeia Beatles e detesta conversar sobre cinema. Ela também não tem nenhuma paciência com a sua ansiedade e com seu déficit de atenção, e reclama que ele é “tarado demais! Parece que só pensa em sexo”. Mas não tem problema. Ela agora já decidiu se abrir para um relacionamento, e ele encontrou alguém que não queira só sexo. Não tem problema.

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