As complicadas relações modernas, ou, a bunda precede a fama  

por Léo Luz

Se conheciam somente pela internet. Ela, bonita, jovem, charmosa, gostosa – com o perdão da má palavra – era uma espécie de “musa da internet”. Fazia diversos ensaios fotográficos, postava fotos provocantes de lingerie. Nada muito explícito, mas bem mais do que as fotos que você já viu das suas amigas do “mundo real”. Ele, meio nerd, programador, sem jeito com mulheres. Sabe lá Deus como, por algum motivo ela se interessou por ele. Moravam na mesma cidade. Marcaram um encontro para dois dias depois. Ele, nervoso, desmarcou, para ganhar mais tempo. Tempo para que? Para pensar no que fazer, no que falar, como agir.

O que mais o preocupava não era o fato dela ser linda, nem gostosa, nem musa, muito menos famosa. O que mais o fazia perder noite de sono era não saber como lidar quando você encontra pela primeira vez alguém cuja bunda você já viu dezena de vezes. Eles não se conheciam, mas ele já a havia visto seminua, de lingerie, biquíni, dezenas de vezes. Conhecia sua bunda melhor do que conhecia o nome de todos os Pokemons. Mas como agir? Eles iriam se ver pela primeira vez, mas ele era íntimo da bunda dela. Tinha medo disso se tornar algo constrangedor. Falariam da bunda na conversa? Citariam que ela fica melhor de sutiã sem bojo? A dúvida estava matando Roger. Ah, me desculpem, o nome do nosso amigo é Roger. E o dela, Silvana. Silzinha no mundo virtual.

Enfim, faltavam dois dias para o encontro. O que ele faria? Seria íntimo e divertido, com frases como “uau, quase não te reconheci de roupa” ou “olha, prometo que quando eu vir a sua bunda pessoalmente pela primeira vez, eu finjo surpresa, tá?”. Ou seria sério e profissional, e não traria o assunto e a bunda à tona? Se fosse engraçado, poderia parecer abusado e tarado. Se fosse sério, poderia parecer infantil e inseguro, com medo de tocar em um assunto como esses. Resolveu enfim que faria um misto. Se ela tocasse no assunto, ele faria o tipo engraçado. Se o assunto não surgisse naturalmente, não seria ele a trazê-lo para a mesa. Estava resolvido. Faltavam duas horas e ele estava absolutamente seguro, um homem maduro. Se ela é modelo e faz isso, não há nenhum problema nisso. Não há motivo para pânico nem desespero. Agiria naturalmente. Chegou ao Shopping e, logo ao subir a escada rolante, a avistou. Com uma calça tão apertada que dava para saber o valor das moedas que ela trazia no bolso.  Ela veio andando em sua direção. Seguro. Adulto. Maduro. Nada de bunda até que ela tocasse no assunto. Ela se aproximou, se cumprimentaram com um abraço, e ela falou:

– Uau, você é bem bonitinho pessoalmente, mais do que nas fotos do Facebook.

Desarmado pelo elogio inesperado, tentou responder à altura:

– Brigado. A sua bunda também é muito mais bonita pessoalmente.

Sete meses depois deste constrangimento, se casaram. Ela achou fofo que, apesar da gafe, ele tenha demorado cinco meses para tentar passar a mão na sua bunda. Ela achou lindo esse respeito. Mal sabia ela que ele só estava demorando para bolar a frase que diria quando visse a tão famosa bunda pela primeira vez. Até que desistiu e resolveu que grunhir seria a solução. E ela achou fofo o grunhido. Agora era só cuidar para não falar da bunda no discurso do casamento. Talvez grunhir fosse uma opção.

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