Carta ao dono dos olhos mais bonitos que os meus já cruzaram
Nunca gostei de olhos claros. Não que furaria os meus se eles fossem verdes ou que evitaria o nosso segundo encontro se os seus, meu amor, fossem azuis. Mas, sempre preferi a sinceridade seca de um par de olhos castanhos. Aquela escuridão impenetrável, de certa forma, sempre me fascinou. Aquela sensação de me perder num breu, de ter que tatear pra encontrar alguma saída. Aquela paz que a gente só sente, aquele ruído que a gente só percebe quando é noite alta, as luzes estão apagadas e o céu já está negro. Aquela profundidade que a gente não vê, e que justamente por isso a gente sabe que existe. Seus olhos, meu amor, me fazem crer que o paraíso é escuro.
Se não me falha a memória, demorei alguns meses para perceber que o seu olhar é o mais bonito que o meu já cruzou nessa vida. Talvez porque ele seja pequeno e só se arregale quando você acha que está cheio de razão no meio de uma discussão qualquer. Talvez porque ele seja seu mais fiel escudeiro e não entregue de bandeja tudo o que você sente – nem o choro, nem o riso. Ou talvez porque ele seja discreto demais para o meu, que sempre está inquieto, distraído, errante. De certeza, só uma: não foi amor à primeira vista.
E pra esse papo de amor à primeira vista, sou um São Tomé de saias. Nunca vi, então não boto fé. Ah, se os amantes de primeira vista soubessem o quão delicioso é amar à décima quinta… Vista, conversa, transa, cervejinha, carona, dança. Deve ser bom sentir um negócio arrebatador logo na primeira troca de olhares, não tiro a razão dos apaixonados súbitos. Mas garanto que nada nesse mundo supera a sensação de perceber que aquela pessoa que há cinco meses provocava quando muito uma marolinha, de repente, incita um furacão. Um furacão que leva o nosso juízo, o nosso orgulho, nosso egoísmo e o batente da porta do quarto se a gente deixar.
Depois de um bom tempo, eu deixei. O furacão passou. E a gente ficou. Incrédulo, extasiado, apaixonado. Hoje, meu amor, faz algumas centenas de dias – às favas a matemática e a precisão – que os meus olhos, enfim, se renderam ao refúgio dos seus, os olhos mais bonitos que eu já vi na minha vida. Que o meu corpo se deitou no abrigo no seu, o corpo mais bonito que eu já vi na minha vida. Que o meu coração encontrou alento no seu, o coração mais bonito que eu já vi na minha vida. E que eu descobri o que é sentir saudade antes mesmo de ir embora. Que eu comecei a abrir mão do pedaço mais bonito da parmegiana de frango. Que eu passei a não me incomodar em ter um travesseiro cheio – e bota cheio nisso – de fios de cabelo que não fossem meus. Que eu entendi que o melhor dos mundos é aquele com menos “a gente se vê” e mais “desce, que eu estou te esperando”. Enfim, que eu disse ‘sim’. Sim pra você e pra todas as coisas boas que aquele tal de furacão trouxe a tiracolo.
Daqui a pouco você chega. Com pãozinho, frios, um suco de abacaxi e os olhos mais lindos que já apareceram no meu campo de visão. E a vida, que sempre foi boa, fica melhor ainda.
Me gustán tus ojos. Me gustas tu.
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