“Cidades de papel” e a verdade sobre idealizar alguém
“Na minha opinião,todo mundo tem seu milagre. Por exemplo, muito provavelmente eu nunca vou ser atingido por um raio, nem ganhar um Prêmio Nobel,nem virar ditador de uma pequena ilha do Pacífico, nem ter um câncer terminal de ouvido, nem sofrer combustão espontânea. Mas, se você levar em conta todos os eventos improváveis, é possível que pelo menos um deles vá acontecer a cada um de nós. Eu poderia ter presenciado uma chuva de sapos. Poderia ter pisado em Marte. Poderia ter sido engolido por uma baleira. Poderia ter me casado com a rainha da Inglaterra ou sobrevivido a meses a deriva no mar. Mas meu milagre foi diferente. Meu milagre foi o seguinte: de todas as casas em todos os condados diferentes da Flórida, eu era vizinho de Margo Roth Spiegelman.”
Antes de começar a falar da nova adaptação de John Green para o cinema, eu quero lembrar que além das partes bonitinhas, o filme “Cidades de Papel” também tem seu milagre e eu diria que ele se chama Cara Delevingue – a atriz que interpreta a personagem Margo. Não que eu a tenha achado excepcional, mas ao descobrir sobre a sua história de vida real me convenci de que nenhuma atriz era tão indicada ao papel quanto ela. Cara é uma modelo que assumiu recentemente um romance com outra garota. Em plena vida real, abdicou em ser uma modelo de papel e mesmo correndo todo aquele risco de julgamento, comprou a bronca, inclusive com a própria mãe, uma aristocrata britânica viciada em heroína que demorou para aceitar a sexualidade da filha.
Ao cruzarmos a personalidade de Margo e de sua intérprete, vamos entendendo que a escolha não foi aleatória e que por trás de um mito inventado pelas pessoas, existe alguém que talvez não se conheça e esteja buscando se experimentar, fugindo desses rótulos, por mais interessantes ou convenientes que eles pareçam. No filme cria-se um universo de suposições sobre os desaparecimentos e aventuras da rebelde Margo, que sempre deixa rastros. Esses rastros também são a tônica nas cenas da madrugada de vingança. Apesar de viverem uma noite catártica e cheia de divertimento, Quentin e Margo deixam rastros, são pegos em flagrante, fazem “crimes” mal feitos e esse desleixo é na verdade um véu que vai sendo retirado de maneira gradual durante a história. E essa é a graça dela, já que ela sutilmente vai estourando o mundo mágico de balões coloridos da idealização platônica ou da aventura em que tudo sai exatamente como o planejado.
“Uma cidade de papel para uma menina de papel. (…) Eu olhava para baixo e pensava que eu era feita de papel. Eu é que era uma pessoa frágil e dobrável, e não os outros. E o lance é o seguinte: as pessoas adoram a ideia de uma menina de papel. Sempre adoraram. E o pior é que eu também adorava. Eu tinha cultivado aquilo, entende? Porque é o máximo ser uma ideia que agrada a todos. Mas eu nunca poderia ser aquela ideia para mim, não totalmente um guarda roupa planejado.”
Com o desaparecimento da menina, nós também somos levados a fantasiar quem ela é, o que sente e onde foi parar. É então que a gente começa a adorar Quentin, o garoto normal, até meio bobo, pacato e inteligente que sempre achou que Margo era o seu milagre. Entramos então num novo bloco do filme, o da amizade, o um por todos e todos por Quentin, sem saber que no fundo o filme todo é sobre estar entre amigos, e esse outro grande destaque: a atuação do elenco juvenil. E eles partem da Flórida em direção ao norte dos EUA em busca da garota desaparecida. E pra não dizer que entreguei o filme todo, deixo a cargo de vocês descobrirem o que acontece quando Quentin encontra Margo.
“E então você me surpreender. Para mim, você tinha sido apenas um garoto de papel por todos aqueles anos: um personagem de duas dimensões no papel e uma pessoa de duas dimensões na vida real, mas ainda assim sem profundidade. Só que, naquela noite, você se provou uma pessoa de verdade. E acabou sendo tudo tão estranho, divertido e mágico que, assim que voltei para meu quarto, senti saudade de você.”
Assistir “Cidades De Papel” me fez pensar que a vida tem em si esse q de aventura mal acabada, claro que pelo fato da nossa memória ter photoshop, o nosso passado ganha edições e perde um pouco essa errabilidade da cena real. Nenhuma aventura talvez seja tão empolgante se ela sair exatamente como a gente esperava, é delicioso gostar de tudo aquilo que (quase) não deu certo. E na representação de Margo da pra lembrar-se das vezes em que a gente idealiza alguém que assim como nós frequenta o banheiro, precisa muito de confetes pro ego frágil e um dia vai ser pego na alfândega porque trouxe algo ilegal assim como nós mortais. Essas entidades criadas em cima de quem não existe. Eu desconfio de quem acha que o seu maior milagre é algo que está ali fora. Nós somos o nosso maior milagre. Meu maior milagre é saber que não existe ninguém no mundo igual a mim e me permita dizer que o seu também. Elis Regina também concordava comigo quando disse: “quem ama o que é, atrai amor. De todo lado.”
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