“Comer rezar e amar”: Um filme em que a viagem abraça a existência

“Galopamos pela vida como artistas de circo, equilibrados em dois cavalos que correm lado a lado a toda velocidade – com um pé sobre o cavalo chamado ‘destino’, e o outro sobre o cavalo chamado ‘livre arbítrio’.

E a pergunta que você precisa fazer todos os dias é: qual dos cavalos é qual? Com qual cavalo devo parar de me preocupar, porque ele não esta sob meu controle, e qual deles preciso guiar com esforço concentrado”  Liz Gilbert

Um bom filme, não precisa ser necessariamente bem fotografado, nem ter atuações brilhantes, muito menos um final mirabolante. Ele pode simplesmente contar uma boa história: limpa, fresca, leve. E que tal se essa história for inspiradora? Minhas maiores referências na arte, na literatura e no cinema sempre foram femininas. O universo da mulher me parece mais amplo, com mais acesso a espaços sensíveis, é mais fácil promover o extrativismo dos sentimentos. Elas me ganham intelectualmente por essa diversidade, onde a coleta de sentidos é como uma flora abundante ou como olhar um mar transparente e ver a vida acontecendo entre organismos e cores. Tenho bastante orgulho de me alimentar dessa magia tão imensa, sem me preocupar muito com o que os reprodutores de normatividade vão pensar.

“Imagine que o universo é uma imensa máquina giratória. Você quer ficar perto do centro da máquina – bem no eixo da roda – , e não nas extremidades, onde os giros são mais violentos, onde você pode se assustar e enlouquecer. O eixo da calma fica no seu coração. É aí que Deus reside dentro de você. Então, pare de procurar respostas no mundo. Simplesmente retorne sempre ao centro, e sempre vai encontrar a paz.”

Julia Roberts as "Elizabeth Gilbert" in Columbia Pictures' EAT, PRAY, LOVE.

“Comer rezar e amar” possui três grandes qualidades.

A primeira é o fato de ser um filme de tema leve, que envolve uma viagem em forma de gatilho para uma volta por cima, que fala de um período sabático nos oferecendo não só imagens, mas também cheiros, gostos, sentimentos, que atravessam a tela.

A segunda é o livro ser completamente acessível a qualquer leitor, mas nem por isso aguado. Alcança reflexões bastante interessantes e inquietantes, comuns a qualquer ser humano.

Por fim, e não menos importante foi à escolha de Julia Roberts como protagonista. Ao ler o livro, você consegue sentir a respiração da atriz em cada passagem. Confesso que é algo involuntário, mas quando alguém me fala para pensar em qualquer mulher, eu penso nela. Acho que é pelo seu sorriso deslumbrante ou sua elegância noventista.  Há também uma melancolia nervosa, guardada em sua pálpebra, e isso denuncia uma mulher de temperamento instável, capaz dos melhores e piores adjetivos. É por isso que quando me perguntam qual a melhor atriz que existe eu digo Meryl Streep, mas quando me perguntam qual a atriz que eu mais gosto, o meu coração balança por Julia.

“Aprenda a lidar com a solidão. Aprenda a conhecer a solidão. Acostume-se a ela,  pela primeira vez na sua vida. Bem-vinda à experiência humana. Mas nunca mais use o corpo ou as emoções de outra pessoa como um modo de satisfazer seus próprios anseios não realizados.“

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Dia desses, vi uma frase da qual muito gostei: “viajar é isso: olhar para fora para enxergar dentro”. Não sou defensor da tese de que viajar é a única hipótese para a cura de nossas dores, mas poucas coisas são tão contundentes do que mirar de longe quem você era, sem que ninguém por perto de fato tenha qualquer noção sobre a sua sinopse anterior. É um jeito hábil para se reinventar, sem que os rastros de suas pegadas te lembrem de repetir os mesmos erros. É o treino da novidade, em que o novo cenário funciona de laboratório para o nosso próximo personagem. Acho que toda mudança é esse personagem forjado que começa de uma ideia hipotética e que de repente, depois de muito pratica, a realidade se alterou e o corante inicial se desfez.

Em “Comer, rezar e amar”, cada lugar é uma representação de cada busca essencial da protagonista. A Itália é o prazer sem culpa, o gosto das palavras e das papilas em plena elevação. A índia é um encontro com a divindade interior em meio ao barulho de fora, e ao mesmo tempo, a desconstrução dessa busca através de receitas equivocadas, embaladas por moldes religiosos estereotipados. A jornada termina em Bali, onde o encontro entre pessoas parece facilitado pela alegria local, pelo amor que vaga distraidamente e promove acidentes bem-vindos. É quando a liberdade supera a prepotência do controle.

A pergunta que esse filme faz é: qual vida você quer? Aquela baseada no fingimento ou a que olha com sinceridade para os espaços incompletos. Existe uma voz faminta dentro de nós que pede algo a todo tempo, e essa vontade insistente é uma fome que vai te atormentar enquanto você estiver simulando soluções paliativas. Poucas coisas na vida fazem tão bem, quando você se percebe sorrindo sozinho pra si, sem motivo, sem que o tempo exista mesmo que por dez segundos.

Deixo aqui de bônus, um vídeo do TED, em que pessoas inspiradoras falam por 18 minutos sobre alguma experiência transformadora relevante. E tem um realizado com a autora do livro: Liz Gilbert.

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