Como esquecer algo que nunca aconteceu?
Você acabou de terminar um relacionamento. Entra em casa e dá de cara com fotos de vocês, cartas, algumas roupas, lembranças de vocês dois pela casa inteira. Você pode guardar tudo em algum lugar onde você não veja, ou pode jogar tudo fora (dica: jogar tudo fora dá uma sensação de alívio incrível). Pronto, ela não está mais na sua casa. Ah, você deleta fotos do celular e das redes sociais também. Aos poucos seus amigos vão parando de falar sobre vocês dois, família e PUF! Agora sim, pronto. Nenhum resquício físico. As memórias você vai engavetando aos poucos. Em algum tempo tudo vai estar resolvido e tudo não passará de uma vaga memória. Mas e quando precisamos apagar os rastros de algo que não deixou rastros, simplesmente porque não existiu?
Estamos acostumados a lidar com memórias reais e em esquecer coisas e pessoas que passaram pela nossa vida. Faz parte. O problema é esquecer memórias e acontecimentos que só aconteceram na nossa cabeça. Aquela história que começou, cresceu rápido demais, te encheu de expectativas, sonhos, planos, nomes dos filhos e pesquisas de preços para lugares possíveis para a lua de mel de vocês. Essa história não é fácil de esquecer. Porque o que acontece nunca é perfeito. Sempre tem alguma coisa errada ou não tão boa a qual podemos nos agarrar quando precisamos esquecer o lado bom. Mas na sua cabeça tudo é perfeito. Pedido de namoro no seu lugar preferido de Niterói, ela nunca reclama que você manda muitas mensagens e é muito ansioso, ela sempre quer tanto sexo quanto você. Na nossa imaginação não sobra espaço para o erro, para o imperfeito.
Na viagem dos nossos sonhos que nunca aconteceu ninguém briga porque perdeu a entrada da estrada, ninguém fica de mau humor porque o wi-fi da pousada é ruim e ninguém fica morrendo de preocupação pensando se os gatos já destruíram a casa. No futuro que nunca tivemos ela te manda mensagem a cada meia hora, diz que está apaixonada depois do terceiro encontro e já quer fazer uma maratona de De Volta para o Futuro, Star Wars, How I Met Your Mother e Friends, obrigatórias pra qualquer ser humano com um mínimo de civilidade correndo em suas veias. Ela te manda bilhetes citando Goethe, te escreve um poema do Neruda e te dedica uma música dos Beatles. Sem risco de Wesley Safadão ou Caio Fernando Abreu. É bem mais difícil abrir mão das memórias que poderíamos ter tido do que das que tivemos. Principalmente porque na nossa imaginação ela nunca chamaria o Yoda de “aquele anãozinho verde de fala ao contrário”. Se chamasse ficaria bem fácil esquecer, mas ela não chama. Não nos nossos sonhos.
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