Como o filme Boyhood mexe com as nossas percepções sobre o tempo

“O medo de morrer vem do medo de viver. O homem que vive plenamente está preparado para morrer a qualquer momento. – Mark Twain.”

Um filme que acompanhou por 12 anos o crescimento de um menino e também dos personagens a sua volta, passeando por infância, adolescência e juventude. Esse tipo de proposta maneirinha já poderia ser o chamariz para que você conheça a história do menino Mason. Ele irá passar pelo que a maioria da nossa geração passa durante as duas horas e quarenta de projeção. Separação dos pais, puberdade, escolhas, autoafirmação na turma, o primeiro emprego. Talvez você fique entediado pela falta de novidade ou talvez seja justamente isso que gere a identificação – sobre o quanto somos parecidos em nossas diferenças. A trilha sonora vai funcionar como um calendário sinestésico. Ela vai respeitar a cronologia do próprio personagem. É o tempo cantando suas gerações para nós. Iremos de Coldplay a Phoenix – inclusive nesse post.

Eu me lembro que por muito tempo na infância usei relógios de ponteiro sem saber ler a hora. Optava por esse tipo especifico porque achava que era algo típico do mundo adulto. Eu pensava que o tempo era apenas decorativo. Como uma unidade feita para ser interpretada apenas pelos que tinham responsabilidades. Hoje, me peguei olhando pras minhas fotos antigas. Cobri o meu rosto em todas, deixando apenas os olhos “destampados”. É impressionante como tudo muda: a cor do cabelo, os cortes, os gostos, o formato do rosto, mas o olhar permanece. Lembrei de todos os pedidos que já fiz para as estrelas cadentes e para as velinhas apagadas do bolo de cada aniversário. Vi que em todos estes momentos fiz pedidos basicamente iguais e isso não quer dizer que sou um frustrado que não se realizou, mas que apesar dos nossos sonhos mudarem ao longo da vida, a essência deles permanece.

Cuidado com a expectativa. Boyhood é um filme que não faz tudo o que você espera de um filme. Ele não quer te flechar com tensões climáticas. Quer que a gente observe o tempo, sem quebra-molas. Que a gente reflita sobre o ritmo e não sobre o êxtase. E quem disse que a vida é feita apenas de serotonina e endorfina?  A vida é cinza também. Não só.  Existem cores e ambiguidades.  Cores alegres e entristecidas como um azul acinzentado. O tempo não é um vilão, ele é um documento que estampa na nossa cara o quanto nós mudamos ou não. Eu sempre fui uma pessoa que tentou trapacear com ele. Aos 15 anos me comportava como se tivesse 10 e aos 18 eu parecia ter a maturidade de alguém com 50. Hoje, aos 30, eu tenho certeza que não cheguei nem aos 25 anos. A “idade da alma” sim importa, dizia Clarice Lispector.

E eu que já fui uma pessoa obcecada pelo próprio passado, achando que tinha de preservar uma tal habilidade em manter os mesmos amigos, os mesmos lugares, os mesmos comodismos. Agora vejo que viver com plenitude é de certa forma desrespeitar esse passado. É deixar de viver dele e das proteções. Depois de Boyhood eu tenho a certeza de que estou aqui, exatamente onde eu gostaria de estar. Que eu traria pouquíssimas pessoas da minha infância e adolescência para compartilharem do meu dia a dia. Não porque eu deixei de gostar delas, mas porque eu mudei muito. Porque eu não abro mão de ser exatamente quem eu sou hoje. Porque as prioridades mudam e a dos seus amigos também.

O tempo e a estrada se confundem. É o nosso próprio álbum de fotos passando diante dos olhos. Lembrei-me então de um dos momentos mais delicados da nossa infância: a primeira vez em que vemos nossa mãe chorando. Descobrimos a partir daí que o mundo é frágil e que não estamos tão protegidos assim. Recordei a primeira promessa quebrada pelo seu pai – quando ele não comprou o brinquedo que eu tanto queria porque ele de repente ficou apertado de grana. O primeiro furo na orelha, o primeiro jogo de futebol no estádio, o primeiro cão de estimação, a primeira vez que eu tomei suco de milho. E tem aquelas regrinhas universais que a gente quebra. No meu caso, sempre disseram que eu iria aprender a gostar de cerveja na época de faculdade e eu decepcionei o mundo: não aprendi. E a gente descobre que o mundo é cheio de regras afetivas desfeitas pelas exceções. Tem amigos que não gostam de carinho e tem gente que mata a outra por causa de uma buzinada. Tem inclusive gente que se agride por causa de futebol.

Ao final, um diálogo tão cheio de incentivo. Que tal se ao invés de ficarmos tão preocupados em aproveitar o momento, deixarmos o momento nos aproveitar?

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