Como você me ensinou…
Há tempos estou aqui em silêncio ouvindo o eco das nossas brigas nessa casa, agora vazia… Continuo sentindo o teu cheirinho no meu travesseiro, e mesmo com os meus variados tipos de alergia nunca ousei lava-lo. E olha que a Zilda já está me achando um porco, mas cá entre nós, a Zilda também não é um exemplo de higiene…
Sabe, mesmo você indo de forma súbita em nenhum momento fiquei esmorecido, pois você sempre me dizia que essa minha cara de batata sorriso não poderia se perder no meio das angústias de uma vida repleta de caminhos incertos.
Mas mesmo sem você continuo indo naquela padaria de esquina, pedindo o mesmo café expresso e levando para casa aquele mesmo crème brûlée que você tanto adorava. Sei que não fico tão charmoso quanto você levando aquela sacolinha rente ao braço e passeando com o Romeu, mas você também não fica tão charmosa quanto eu de avental e meias.
Sabe, às vezes vejo um casal feliz fazendo compras e lembro da gente… Se lembra daquele dia que fomos à loja de cristais e eu derrubei uma prateleira toda com aquele meu jeito desgracioso? Recordo-me bem da sua cara de susto seguido de um sorriso contido enquanto eu deixava metade do meu salário lá, cômico se não fosse trágico. Mas pode ficar tranquila, mesmo com essa minha cabeça de vento continuo passando óleo de peroba naqueles moveis antigos que eram o seu xodó. E sim, eu também não estou areando as panelas de teflon com Bombril, estou fazendo tudo como você me ensinou…
Esses dias o Romeu trouxe para casa mais uma concha para a nossa coleção, daquelas que ficam na beira do mar e parecem ter sido feitas a mão. Ele veio todo sujo de areia e eu tive que dar banho nele sozinho, e claro, no ato de tentar tapar as orelhas dele para não entrar água acabei tomando um banho junto. Achei que gostaria de saber.
Mas apesar de tudo estou aqui deitado naquele sofá que fica pertinho da varanda repensando nos meus próprios caminhos, nas minhas próprias carências e assim colocando tudo em um papel amassado e manchado de café. Sem alguma saída eminente sei que a solução é ficar aqui no meu canto, quieto, sereno, e esperar esse gostinho de saudade passar enquanto converso com a minha solidão. E com o Romeu, claro.
Os dias ficam cada vez mais compridos, e às vezes, fico andando pela casa sem saber o que fazer, o que procurar, o que sentir… Preencho meu dia com afazeres, mas tudo ainda me parece tão frívolo. Hoje eu caminho no parque Ibirabuera sozinho, vou ao mercado sozinho, levo o Romeu ao veterinário sozinho, mas sozinho mesmo só me sinto quando abro a geladeira e vejo aquele crème brûlée sem nenhum vestígio de uma despretensiosa e faminta colher…
Eu e o Romeu sentimos muito a sua falta, um beijo.
Ah, ele também mandou um lambeijo.
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