Demonstrar amor não é amar

Demonstrar amor não é amar. Me desculpem repetir o título já na primeira frase, mas é pra frisar. Essa polêmica do texto do Gregório Duvivier para a Clarice – polêmicas à parte por ser ou não uma publicidade “disfarçada” do novo filme deles – me fez pensar nisso. Não faltaram no meu Facebook comentários como “ai, isso é que é amor” ou “meu Deus, que amor lindo”. Inclusive fui acusado por uma pessoa de que o “tipo de amor” que eu falo sobre não existe, e que aquilo que era amor. Bom, sinto decepcionar, mas como profissional da escrita, posso garantir: aquilo não é amor. É a representação literária e romântica do amor.

Sabem a história do quadro “A traição das imagens”, do Magritte? É um quadro de um cachimbo onde lemos “ceci n´est pas une pipe”, em português, isto não é um cachimbo. Por que esta frase está correta? Porque aquilo não é um cachimbo, é uma pintura de um cachimbo, uma representação de um cachimbo. É um desafio às nossas convenções e ao nosso conhecimento, pois estamos “vendo um cachimbo”. Aquilo é uma tela, é uma sobreposição de tintas, formando a IMAGEM de um cachimbo. Mas não é um cachimbo. Assim como a descrição do amor do Gregório NÃO É o amor deles. Assim como NENHUM texto meu É, efetivamente, o meu amor com as minhas respectivas ex-namoradas. Assim como nenhum dos poemas do Vinicius, do Byron ou das músicas do Chico SÃO o amor, elas somente são uma representação do amor.

Dizer que um texto representa 100% um relacionamento, dizer que um texto é de fato o amor, é como dizer uma sombra na parede é a mesma coisa do objeto que a projeta. Um texto, um poema ou qualquer outra manifestação pública de afeto são um recorte da parte boa e poética de tudo o que aconteceu. Na vida real eu às vezes não quero sair com o amigo chato dela, fico com preguiça de lavar a louça e demoro um ano pra decorar uma data de aniversário. Na vida real, dois dias depois daquele aniversário de namoro lindo no pôr do sol na praia, nós brigamos porque ela se atrasou pro filme que eu queria ver, eu desisti de ir e ela ficou de mau humor a noite toda. É lindo escrever um texto assim, em público, eu inclusive já pedi uma pessoa em namoro assim, mas isso não é tudo. Um texto público é legal, mas garanto que a minha ex ficava muito mais feliz quando eu tirava a toalha de cima da cama ou lembrava do nosso aniversário de namoro. Mas escrever é mais fácil.

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