Ela é perfume, ventania e sorriso

Ela tinha um charme que indiscutivelmente era só dela. Coisa de mulher única. Na verdade, todas são, mas ela, em especial, tinha uma exclusividade quase que divina. Uma covardia com as demais. Quando saía em grupo, ela se destacava. Não pela beleza, pelo tom de pele amorenado, pelo batom vermelho-estou-nem-aí ou pelo sorriso incontido de tanta alegria. Mas pela leveza com que ela distribuía suas qualidades; era uma inteligência leve de se ouvir. 

Ela não tinha muitas roupas; estava sempre com a mesma sandalinha, o mesmo vestido, o mesmo brinco pequeno e delicado, o mesmo coração do tamanho de algo muito grande, muito grande mesmo, tão grande que agora não me vem à mente nada similar. Uma baleia azul? Não sei se é uma boa comparação, mas foi sincera. Eu poderia dizer do mundo, eu sei, mas continuo preferindo uma baleia azul. Maturidade. Essas coisas.

Acontece que quando a conheci, descobri, como se não fosse óbvio, como a vida precisa de muito pouco para ser realizadora para nós. Ela era, simplesmente, ela. Nenhuma mulher poderia roubar seu brilho, sua autoestima. Ela tinha algo interno, uma coisa de quem nasce com a luz do bairro inteiro. Ela fazia tudo com a alegria do hoje; sorria enquanto dançava e dançava enquanto sorria, que coordenação em saber ser feliz!

Nunca me deixei acostumar com o charme dela. Pós-graduada em captar as sutilezas das coisas mais banais da vida, ela sempre me beijou como se me desse asas. E quando a gente encontra uma mulher que, junto ao carinho, nos faz voar, a vida fica maravilhosa de ser vivida. A solidão fica em dupla. O carinho é conversa de cotidiano. O abraço esquenta quem estiver por perto. Ela sempre soube me trazer o melhor que havia em nós.

Todo dia pela manhã, ela tinha um coração vazio. Não porque sofreu e, como se fosse solução, quis mantê-lo assim, mas, para que, todo dia, ele fosse preenchido com todo o amor que um novo amanhecer pede. Ela acordava e ia preenchendo-o com pequenos amores do dia e, ao dormir, descarregava oque havia dentro dela e jogava como energia positiva para o mundo. Era algo que me parecia tão sábio, muito diferente do que já havia visto.

Nela havia um sorriso de elegância. Ela nunca foi de ligar para a opinião dos outros, mas, se precisar, a ouvirá com o maior carinho. Hoje lembro com saudade dela. Faz tempo que a beijei, faz tempo que nos fizemos um só, há muito tempo não a vejo mais, nem sei como seria deitar na barriga dela antes de dormir; será ainda quentinha? Será que ela ainda tem mania de coçar o nariz quando quer me contar algo? Será que ela ainda fala onomatopeias quando desperta?

Só tendo em vista essa opção, guardo todas as boas lembranças como quem guarda fotos antigas que, se muito cutucadas, podem se rasgar. Com a boca, no beijo antes de dormir, ela desenhava a minha felicidade de amanhã. Me beijava à noite só para me fazer acordar feliz. E sempre funcionava. Mas, talvez esse seja o maior charme dela; eu nunca mais a vi. Ela completou a sua história no meu coração e se foi. De lembrança, deixou só seu perfume. E existe coisa mais gostosa que o perfume de alguém que esteve conosco? Ela é perfume, ventania e sorriso. Perfumar, que verbo lindo; me lembra tanto ela…

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