Então foi Natal. E o que você fez?
Comeu um peruzinho e umas frutas secas, aguentou o tio do pavê e passou seu melhor perfume pra sentar no sofá da sala da sua avó e assistir à missa do galo? Brindou com uma taça de Chandon, abraçou um monte de gente pela primeira vez no ano e colocou presentinho debaixo da árvore pros priminhos pequenos? Passou estresse com a fatídica pergunta sobre os namoradinhos, tirou um monte de uva passa do arroz e sorriu amarelo – peloamordedeus, alguém me tira daqui – pra foto em família?
Nada de novo sob o sol. Disso tudo eu e a Simone sabemos, meu bem. A gente também pratica esse monte de hipocrisia – aliás, não conheço quem seja imune à falsidade do espírito natalino. O que a gente quer saber é o que você fez ao longo do ano. Sim, ao longo de 2016, esse ano que a gente bem conhece e não considera nadinha. Esse ano que nos tirou os ídolos, o emprego formal, a perspectiva de aposentadoria e a dignidade. Esse ano que nos trouxe preocupação, desgosto, dívidas e depressão. Esse ano que tem 16, mas com corpinho de 64 – nada contra os sexagenários, acho importante deixar claro.
E aí, o que é que você fez? Se escondeu atrás do escudo da invisibilidade pra xingar gays, pra diminuir negros e pra banalizar o machismo na Internet? Fingiu que estava dormindo no assento reservado quando aquela senhorinha de bengala entrou no ônibus? Pagou de desconstruidão, mas contou pra todos os brothers detalhes da transa que você teve com aquela mina que você pegou no mês passado? Sonegou imposto? Sentiu vergonha da sua mãe quando ela foi te dar um abraço na sua colação de grau só porque ela tava usando um vestido barato? Fingiu que não ouviu o seu avô chamar o seu nome, porque não tava com paciência pra papo de velho?
Espero, do fundo do meu coração, que não. Mas, sabe, vez ou outra, todos nós fazemos merdas na vida. Destilamos preconceitos. Somos maus. Desrespeitamos quem só tem amor pra nos dar. Exageramos no álcool e falamos além da conta. Damos uma burladinha na burocracia – que sempre é chata, mas que nem sempre é desnecessária. Pecamos, deslizamos, cometemos imperícias – ou crimes. E tudo o que eu espero é que nós não estejamos nada bem com tudo isso. Nada bem mesmo.
Que não consigamos colocar a cabeça no travesseiro e dormir em paz. Que passemos noites e mais noites em claro, embalados pela agonia de rolar de um lado para o outro na cama e embolar o corpo no lençol. Que percamos a fome, a razão e o brio. Uma balada aqui, um cineminha ali e um date acolá. Um amigo, um crush, um amor. Que percamos qualquer coisa que não seja a oportunidade de refletirmos e de evoluirmos com os nossos erros.
Que sejamos, enfim, cobrados. Senão pela justiça, pelo destino. Senão pelo destino, pela nossa consciência. Senão pela nossa consciência, pela Simone, que, implacável, não nos deixa comer um panetone sequer sem nos esquecer de tudo o que fizemos. Para o bem e para o mal.
E que assim continue sendo.
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