Estrabismo, quatro olhos ou míopes – Nós somos assim
Eu sou míope e estrábico. Bem-vindo, Frederico – clamam em voz alta as pessoas que frequentam a seita dos míopes e estrábicos. Olho para todos aqueles olhos repletos de reflexos e encho a boca para dizer que uso óculos desde os 3 (três) meses de idade – sim, é verdade. Todos me olham com dó e criam em si toda uma história de vida como se eu fosse um ser melindrado.
Hoje, ao acordar, a primeira reação que tenho é esticar a minha mão direita perto do criado-mudo tateando, e derrubando, tudo que está em cima dele à procura do meu óculos. Já quando criança, franzina e cabeçuda, meus amigos diziam que eu tinha quatro olhos – o que sempre me pareceu um motivo para sentir-me especial. Até porque, eram raras as crianças que poderiam usufruir das suas visões de raio x com intuito de descobrir a cor dos mamilos das professoras. Mentira, nunca fiz isso. Mas seria uma boa. Durante toda minha infância usei tampões para diminuir meu estrabismo, e ainda minha mãe mudava semanalmente os móveis do meu quarto de lugar para eu me acostumar a olhar para todos horizontes de forma correta.
Além de que eu era uma peste. Sabe aquelas crianças que parecem estar ligadas na tomada? Eu adorava brincar, pular, girar e todas essas derivações, e, com certeza, a frase que eu mais dizia era: podes segurar meu óculos? Para eu poder ir ao mar, para eu pular na cama elástica, para eu brincar de lutinha, para eu poder ser eu…
Na minha adolescência era engraçado observar quando ia à uma festa, ou caía lá de paraquedas, e em meio à multidão, brotava um cara aleatório com cara de paisagem e óculos. E que homem, em sã consciência, vai à uma festa de óculos? Eu, claro. Então, nessa competição entre belezas estereotipadas tive que aprender a compensar a minha pouca aceitação visual com conversas que arrancam gargalhadas.
Várias pessoas já me olharam com aquela cara de batata sorriso, como se tivessem na ponta da língua a solução da paz mundial, ao me perguntar: Por que você não faz cirurgia? Mas, por incrível que pareça, eu nunca quis fazê-la, sempre achei que esse fosse o meu charme. Pois, quando eu era pequeno minha professora – digna dos meus melhores abraços, olhares sinuosos e paixões platônicas – me disse que qualidades conquistam, mas que defeitos também conquistam. E mesmo sendo um possível placebo eu acreditei. E acredito até hoje. E seria legal se me deixassem morrer acreditando.
A verdade é que hoje compreendo de corpo e alma pessoas que usam óculos, e digo mais, acho lindo mulheres de óculos que assumem suas verdades e mostram com veemência o quão conseguem me deixar louco ao usar hastes na face. Sim, eu tenho um completo tesão por mulheres que usam óculos. Não por simplesmente usarem óculos, mas, por saberem conviver e desprenderem-se de toda essa ditadura da beleza.
Hoje, confesso, que me apaixono quando vejo crianças com aqueles óculos fundo de garrafa, ou com tampão cobrindo os olhos, como usei durante toda a minha infância. Elas me passam uma fragilidade e um carinho muito grande. É como se eu me visse ali, serelepe e sorridente por uma vida toda que me aguardava repleta de charme e vivências. Esses dias sentei com elas num colégio estadual que estava palestrando, e uma delas me disse que não gostava de usar óculos, pois disse que as princesas não usam óculos. Naquele momento me vi ali, com as mesmas inseguranças e incertezas de um mundo que cobra tanto de nós. Contei a ela uma história de que a princesa mais bela do meu reino sempre usou óculos e assim, me conquistava dia após dia. Ela encheu os olhos de lágrimas e esboçou o sorriso mais gostoso do mundo, aquele que não tem dentes perfeitos e lábios alinhados, mas tem verdade. Naquele dia aprendi que tirar as inseguranças das pessoas com palavras boas é uma das melhores sensações do mundo.
Então, se eu pudesse sentar-me, novamente, a frente dessas crianças que usam óculos, eu diria bem pertinho do ouvido de todas elas que nós podemos ser o que quisermos. E que estamos juntos nos sorrisos. E claro, nos olhos.
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