Eu não vou subir a Pedra da Gávea com você

por Léo Luz

Eu não vou subir a Pedra da Gávea com você. Quando pensarmos na nossa lua de mel, vou ficar em dúvida entre África do Sul e Nova Iorque, e vai te dar bastante trabalho me convencer a fazer o caminho de Santiago de Compostela a pé. Nem de bicicleta. E de carro, só com ar condicionado. Você não vai me ver empolgado quando você me chamar pra uma trilha de quatro horas a pé pra chegar em uma praia de cem metros de extensão, só porque é deserta, ficar meia hora lá e voltar, porque não pode pegar a trilha de volta no escuro. Mas quando você chegar em casa do trabalho, em um daqueles dias que a gente acha que a única função do universo existir é dificultar a nossa vida, nesse dia, quando você chegar, eu vou estar lá, e vou te dar carinho, amor, vou te ouvir e te acolher. E se você quiser ficar sozinha, não tem problema, eu vou jogar videogame. Mas você vai saber que se não quiser mais ficar sozinha, é só avisar.

Eu não vou parar de comer carne, nem de tomar refrigerante, nem de comer fritura. Eu não vou tomar suco verde todo dia de manhã, não vou comer alimentos funcionais e muito menos, Deus!, muito menos vou comer hambúrguer de soja com você. Nem passa pela minha cabeça andar vinte quilômetros de bicicleta, correr por uma hora ou sair para a academia se estiver chovendo. Não vou acampar no meio do mato nem pretendo andar três horas pra tomar banho em uma cachoeira menor que a goteira do meu ar condicionado. Mas quando você estiver passando por alguma dificuldade, a minha mão vai estar sempre lá, estendida para você. Mas nos gestos do dia a dia você vai perceber que está com alguém que te ama, te deseja, te respeita, te faz companhia.

Eu não vou falar bem de Cuba, nem deixar de falar que o Che não era nenhum herói, mas um assassino homofóbico, racista, sujo e traiçoeiro. Eu não vou deixar de amar esse capitalismo que me deixar sair pra comprar um livro em um shopping às dez da noite. Eu vou continuar te amando da minha maneira, que sofre, sangra, chora, grita, sente ciúmes. Eu não vou me transformar em um monge zen, sem ciúmes, sem ansiedade, sem neuroses e sem culpa. Nem passa pela minha cabeça fazer uma maratona aquática, muito menos fazer mergulho submarino com tubarões ou qualquer outro bicho bizarro que viva no mar. No way, José. Mas quando você viajar, eu vou te ligar e te escrever todos os dias. Quando morarmos juntos, você não vai se sentir morando com alguém que quase não te percebe lá. Você vai se sentir morando com alguém que não podia ser mais feliz por estar tão perto de você. Você vai se sentir a pessoa mais amada, querida e desejada que já viveu nessa terra.

Você não vai ter em mim o companheiro de aventuras e de uma vida natural que você sempre procurou. Me desculpa. Mas você vai ter em mim o companheiro de vida que você sempre desejou, e que nem todos os aventureiros e mergulhadores foram. Você vai ter em mim alguém que te dá atenção, carinho, amor, alguém que vai estar com você incondicionalmente, e que não precisa gostar de correr na chuva ou de tomar banho em praia deserta. Porque, ao apagar das luzes, nenhum relacionamento termina por falta de trilha da Pedra da Gávea ou de cachoeira. Nenhum casamento dá certo só pelos dias de caminhadas quilométricas ou pelas refeições naturais. Relacionamentos acabam por falta de carinho, de atenção, de dedicação. Casamentos dão certo em virtude de companheirismo, de zelo, de admiração e entrega mútuas. E comigo pode até faltar suco verde, mergulho com golfinho ou meditação todas as noites, mas nunca vai faltar amor, carinho, atenção, respeito, companheirismo, cumplicidade, dedicação, desejo ou entrega. E pode ter certeza de que, com essas coisas, todo o resto vai fazer muito menos falta. Ok, uma trilha por ano, duas cachoeiras e uma praia deserta. Mas nada de tubarão.

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