O homem de coração frágil

Se há algo sério entre nós?

Não, não há.

Acho que não.

Ou será que existe um tiquinho de qualquer coisa?

Porque, pensando bem, só com ela ao alcance dos meus dedos eu consigo ficar confortavelmente esparramado sobre o sofá da sala, sem sofrer a mínima “deprê” por causa dos domingos que têm a insuportável mania de terminar em segundas-feiras.

É, cá entre nós, deve haver algo.

Claro que deve.

Ou eu não inventaria desculpas malucas para justificar telefonemas como o de ontem:

– Já estava dormindo, né? – disse.

– Não, não estava – ela mentiu, com o timbre raquítico de quem havia acabado de acordar de uma anestesia geral.

– É que a minha internet caiu e eu não consigo encontrar o nome do último filme do Darín. Você sabe?

– “Sétimo”? “Relatos Selvagens”?

– “Relatos Selvagens”! Isso mesmo!

– De nada. Mas posso saber por que você precisa disso agora, antes mesmo de o galo acordar?

– É que eu… Na verdade, eu… Ah, eu não consigo dormir quando não me lembro de algo que já esteve na ponta da língua – inventei, ao invés de dizer o porquê real daquela ligação: a voz dela atenua a angustia insuportável que às vezes me invade sem razão aparente.

Apesar de andar por aí com cara de durão, de possuir os dedos tortos devido aos murros que já desferi e de ter mantido um sorriso no rosto enquanto tatuavam a minha costela, eu sou um covarde. É, é isso que sou, assumo.

Morro de medo de confessar que estou “completamente na dela”, como o meu melhor amigo vive a afirmar, quando me vê sorrir abestalhado por causa de um SMS-convite para um cineminha-jantar-trepada.

É que a vida me deixou com um enorme pavor de me entregar, de fazer planos para além da próxima semana. Você me entende? Claro que entende! Quem nunca esperou mais de seis meses por uma viagem e, quando já estava de malas prontas e passaporte carimbado, viu tudo desmoronar. Eu já!

Graças a essa e outras decepções, irmão, eu vivo a inventar motivos para não me doar de vez a pessoas como ela, que agora mesmo deve estar pensando seriamente em desistir de mim, devido à minha indecisão.

É, ela logo vai desistir. Eu sei.

Não tenho medo “quebrar a cara”, como dizem por aí. Se me olhar de perto, verá o bocado de cicatrizes que carrego no rosto. Garrafada. Poste. Cabeçada na trave. Já quebrei muito a cara. E sei que ainda vou quebrá-la.

Tenho medo é de quebrar o coração, mais uma vez, e de não conseguir juntar os cacos.

Então eu escondo o meu coração frágil e cheio de remendos sob frases bestas como “pego e não me apego” e “nasci para ser solteiro”. E, aos meus amigos de bar, entre uma dose e outra, finjo ser totalmente imune ao amor. Mas eu, definitivamente, não sou. Ninguém é, se quer mesmo saber.

Quer saber o que eu sou?

Sou como Bukowski se autodescreveu no poema Bluebird:

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