Mãe, hoje eu lembrei de fechar a janela

Entre as pequenas brigas e as broncas sobre as louças não se limparem sozinhas, a gente se diverte e ri como se o medo de se perder não fosse uma opção. Eu e minha mãe temos uma parceria fora do normal. Algo que poucos entendem. Algo tão fora do normal que já não sei mais quem é o Batman, quem é o Alfred; quem é o Debi, quem é o Loide. Se tenho algo para dizer sobre a nossa relação, com certeza, é quão divertida e sincera ela se faz.

Como já contei algumas vezes, perdi meu pai cedo e acabei convivendo somente com a minha mãe. História de muitos por aí. E hoje, com uma visão mais clara, consigo enxergar a força e a paciência que uma mãe precisa ter para criar um filho sozinha. É algo a que poucos estão dispostos. É difícil. É dia a dia. É coisa de mãe.

Com a alegria do que somos hoje, lembro bem de todos os perrengues que passamos, da tristeza que ela sentia por nem sempre poder comprar os brinquedos que eu, sem noção da realidade, pedia, dos dias em que a ouvia chorando no quarto. Mas a gente sempre se ajeitou. Com a maturidade, aprendi que o maior presente que um filho pode dar para uma mãe que o criou sozinha é a compreensão. Entender as situações, respeitar, ceder um pouco em prol do bem da casa, ajudar no que for possível. Pena que só aprendemos isso com a idade.

Várias coisas aconteceram, e várias cenas passam pela minha cabeça ao escrever esse texto, mas tem uma, bem simples e especial, que me marcou. Lembro-me bem quando era pequeno, com meus óculos grandes que escorregavam pelo nariz – naquela época pequeno –, minha mãe me perguntou se eu gostaria de comer pipoca, e, como se o mundo fosse acabar em segundos, respondi: Siiiiiiim! Com saco de milho na mão – ah, que saudade de pipoca feita na panela – ela me perguntou se eu preferiria açúcar ou sal, no caso, pipoca doce ou salgada, e, como uma boa criança gordinha, disse que preferia a doce. Ela pegou o pote que, aparentemente, era de sal e foi colocando algumas colheres. E eu, indignado e com o choro contido, falava: “Mas, mãe, você não disse que iria fazer doce?”. E sem responder ela continuou. E, ao experimentar, abri um sorriso sem fim, pois era açúcar. Esse momento bobo me marcou de uma forma tão bonita que dificilmente esquecerei. Me marcou, pois aprendi, depois de muito tempo, por uma metáfora, convenhamos, nem tão boa assim, que por mais que tenhamos vontade de espernear por achar que nossos pais estão seguindo caminhos opostos às nossas vontades, no fim, eles sempre fazem o certo. Os conselhos, as sugestões, as escolhas, sempre são para o bem. O tempo ensina e faz a gente entender as escolhas do passado. Seja doce ou salgado o entremeio, se depender deles, o fim sempre haverá de ser doce.

Nesses anos de parceria e amor, que mesmo com suas desavenças não precisa de retoques, aprendi várias coisas. Aprendi a ver os detalhes da vida, a valorizar quem está ao nosso lado, a enxergar o valor do dinheiro e as responsabilidades que vêm com ele, a ser simples sem deixar de sonhar grande. Mas a coisa mais importante que aprendi é que não existe coisa mais gostosa do que ver a minha mãe feliz. Tenho sorte de ela saber sorrir com facilidade, e que sorte! Sorri porque é linda do jeito que é; forte do que jeito que me ensinou a ser; destemida como poucas princesas bárbaras seriam.

Hoje procuro fazer pequenas surpresas sempre que possível, ver a alegria dela faz a minha. Surpresas pequenas são eternas. Se fazem lindas quando feitas com o coração e mostram, nas entrelinhas, como queremos amar e ser amados. Seja levar um bolo que fizemos num sábado à tarde – não que eu saiba fazer bolos… –, fazer um carinho na mão quando as palavras faltam, fazer uma ligação fora do horário esperado. Percebi nesses anos de parceria e amor quase onipresente com a minha mãe que presentes especiais são lindos, mas momentos especiais são troféus para a alma de quem a gente ama. E acredite, fazer uma mãe feliz é uma sensação que se torna indescritível quando realizada. E, por mais que elas nem sempre consigam demonstrar com palavras os sentimentos que as habitam, a gente sente e sabe que cada esforço sempre vale a pena. Mesmo que, perto do que ela fez por nós, nossos esforços sejam vírgulas

Só espero que, ao fim de tudo, eu tenha maturidade para aproveitar o tempo em que ela ainda se faz presente ao meu lado. Espero ter paciência, pois, como já disse um dia desses em um livro meu, a falta de paciência de hoje será a saudade de amanhã. E que eu saiba demonstrar de forma palpável todo o carinho que, às vezes, tenho tanta dificuldade em falar. Pois se hoje sou um pedaço de alegria ambulante, com certeza, os sorrisos dela foram, e são, a minha própria alegria.

Hoje posso dizer que tudo valeu a pena. Os choros, os medos, as aventuras, as conversas, os conselhos. Só queria que ela soubesse que agora é a hora dela aproveitar a vida! E tenho um recado: Mãe, vou só ali conquistar o mundo e te mostrar como aquele meu sorriso de criança ainda parece o mesmo quando te vejo feliz.

PS: Mãe, hoje eu lembro de fechar a janela antes de sair de casa, assim a chuva não inunda mais o meu quarto.

Comentar sobre Mãe, hoje eu lembrei de fechar a janela

Responder Cancelar