Medo: substantivo finito
Todo o tempo que tive foi pouco. Agora, a rede balançando me deixa pensando muito. Penso no que pode ter mudado em mim. Penso na música que pensei em fazer, no livro que quis escrever, na família distante pra visitar e que eu nunca visitei.
Estou doente.
Dói o pé, a cabeça, as mãos e os pensamentos. Penso que meu tempo está acabando e o que me resta é arriscar. Mergulhar nos sonhos e tentar meu último golpe; o último movimento.
Vou no passo a passo que é pra alma acostumar com o novo ritmo. Caminho lentamente e passo a dominar a visão. Alguns movimentos depois, domino o toque. Invado, sem pressa, os pensamentos.
Se a minha vida vai encerrar a qualquer instante, o que quero é aproveitar os últimos momentos.
Todo tempo que tive, passou rápido. Minha existência foi uma música curta. One, two, three, four… acabou. Quer dizer, acabou nesse corpo; posso começar tudo novamente em outro. Eu ainda tenho certo tempo. Não tanto, mas tenho. Ainda há coisas pendentes para serem resolvidas.
Meu fim é certo porque o corpo que invadi foi tomado por uma onda de fazer acontecer. Eu sou o medo. A arte está me vencendo. A coragem de viver de um sonho me derrubou. Quis que ele escrevesse um artigo medroso, depois quis que ele desse uma opinião em cima do muro. Não sei como, mas o filho da puta fez exatamente o contrário.
Sim, me chamo medo, tenho RG, mãe e tudo o mais. Estou tendo as últimas discussões com o corpo que dominei, se eu perder essa última, fudeu: a coragem vai deixar ele realizar tudo que imaginar.
Essas pessoas que dão asas à mente – e saem por aí sorridentes – estão cada vez mais difíceis de controlar. O barco saiu da rota e a polpa do prumo. O medo perdeu a guerra: assumo.
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