Nada de casalzinho

Se eu fosse escrever uma comédia romântica, eu não conseguiria pensar em nada tão incrível como a história que eu vou contar pra vocês. Ele almoçava no bar da piscina do prédio dela, sozinho. Entre uma checada no email e uma bufada para reclamar do calor, ele a viu entrando na área do bar. Ela era linda: magra, cabelos avermelhados, branca, com um sorriso tão lindo e espontâneo que você até olha ao redor procurando as câmeras – ninguém sorri assim naturalmente. Quase ninguém, porque ela sorri.

Prosseguindo: ela entra na área do bar e ele automaticamente se muda de lugar para poder ficar de frente para ela. Enquanto ela almoça com a mãe na mesa do lado, ele só pensa que precisa, de qualquer maneira, puxar assunto com ela. Até que ela e a mãe começam a falar sobre um cachorro que elas adotaram e que está dando problema. Era o que ele precisava: um assunto que ele dominava. Com um “Olha, desculpa me meter no assunto de vocês, mas…” ele puxou papo com ela e, em dez minutos, estavam falando sobre relacionamentos passados, hipocondria e futuro profissional. A conversa fluiu tanto e eles se deram tão bem que piadas como “nossa, você é minha alma gêmea” ou “meu Deus, a gente tem que se casar” foram feitas alguma vezes ao longo do papo. Da parte dos dois.

Ele ia ajuda-la a encontrar um lar para o pequeno cupido peludo e problemático e logo também combinaram uma ida ao cinema. Ele, de férias, e ela, cheia de compromissos. Demoraram quatro dias até conseguirem se encontrar, mas nesse meio tempo se falavam diariamente por mensagem. Além de absurdamente bonita e charmosa, ela era inteligente, engraçada, bem humorada e carinhosa. Durante quatro dias, pelo menos sessenta e quatro vezes ao dia, ele ficava preocupado de ela querer somente a sua amizade. Até que esse medo se concretizou. Durante uma das trocas de mensagens, ela disse: “É bom ficar claro no nosso sincericídio que a única coisa que eu gostaria que você esperasse receber em troca é minha amizade, viu?!”. Foi aquele cruzado de esquerda que você toma e nem sabe de onde veio, só se lembra de repente acordar no chão.

Foi mais que um balde de água fria, foi um balde de água morna no verão do Rio de Janeiro. Ele já começava a tirar o time de campo e se resignar em serem somente amigos, mas mesmo assim manteve o plano de levarem o cachorro para o abrigo e depois irem ao cinema. Cachorro entregue, foram ao cinema. Ele trouxe o assunto à tona e ela, charmosa e sincera que só ela, disse calmamente que não estava numa fase de se relacionar com ninguém etc etc etc, durante muito tempo ela manteve esse discurso. Até que ele deixou o assunto morrer e aceitou.

Mas foi aí que os Deuses das comédias românticas entraram em ação: durante o jantar, antes do cinema, conversaram durante horas, sobre os mais diversos assuntos. E ele desconfiou que ela estava chegando mais perto, parecia mais interessada. Mas depois do que ela disse, ele nem ousou achar que aquilo significasse algo. Acabaram de jantar e foram ao cinema. Lá, ele, em um arroubo de coragem, confidenciou que queria beijá-la. Três vezes. Ela rechaçou. Mas ele percebeu que ela rechaçou de forma hesitante, sem convicção. Até que, durante o filme, ele a beijou e ela beijou de volta. Por alguns instantes não houve filme nem gente ao redor. Se beijaram com vontade e com carinho durante longos minutos. A menina que há uma hora não queria se relacionar com ninguém, agora lhe mexia nos cabelos carinhosamente enquanto o beijava.

Saíram do cinema e o receio dele de que aquilo fosse acabar lá dentro do cinema não se concretizou: andaram abraçados, se beijaram na escada rolante, antes de entrar no carro e durante todo o caminho de volta. Com direito a cafuné e mãos dadas. Ela continua reticente e avessa a relacionamentos e tentando controlar o futuro: “Amanhã nós vamos no bosque fotografar mas não vamos ficar de casalzinho, tá”, decretou ela, segundos antes de lhe dar um longo e carinhoso beijo e um abraço apertado. Ele comentou que escreveria sobre a comédia romântica dos dois e ela parece ter gostado da ideia, uma vez que deu várias sugestões, uma sucessão de “quando você escrever sobre a gente…”. E ele prometeu escrever. E escreveu. Mas nada de casalzinho.

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