Não morra sem: assistir “O Diabo veste Prada”
“O Diabo veste Prada” é um filme que aparentemente soa superficial, parece ser apenas um passeio luxuoso pelo mundo do glamour it, com a volta por cima da mocinha como história principal. Mas ao assisti-lo pela segunda vez você descobre que é um relevante achado sobre as relações de trabalho, e na terceira você vai mais além e percebe que é um filme sobre escolhas, sobre o quanto estamos sempre optando, mesmo quando achamos que não.
Miranda – interpretada por Meryl Streep, impecável – é, a grosso modo, “todos” os chefes que passaram por nós. É uma alegoria do poder opressor, é alguém que vai judiar da mocinha, vai ser um tumor que no fim das contas se revela benigno em meio a toda a crueldade que destila sobre quem a serve. Miranda por fim possui toda a mediocridade dos chefes que assediam moralmente: em seu porão, guarda frustrações, um casamento demolido, e algumas vulnerabilidades. Ao chamar suas assistentes pelo mesmo nome, vemos o quanto a mecânica hierárquica por vezes é fria e genérica, somos apenas cumpridores de papéis, não importa a roupa do dia, desde que ela não destoe do normativo.
Por uma grande ironia, o mundo da moda naquele contexto está sem maquiagem, há uma denúncia descarada do desprezo velado por quem a prestigia, afinal tudo o que ali é inventado passa primeiro por uma elite que vai influenciar primeiramente uma nobreza fashionista e no fim aquela criação vai “sucumbir” em uma liquidação popular, vai ser objeto de repetição e adoração em massa, e consequentemente desprezível aos olhos de quem a concebeu. O filme mostra que todo produto que dita um dado comportamento está de certa forma fadado à rejeição em seu caminho final.
Não se engane com o papel feito por Anne Hathaway: sua personagem funciona como uma falsa vítima, seu empenho e suas escolhas vão derrubar peças ao longo do caminho, mesmo sem perceber, ela é na verdade uma representação do esforço “cego”, de como nasce um workaholic, há em seu trajeto o questionamento sobre as medidas de dedicação entre vida pessoal e a profissional, de quando abdicamos de tempo livre em busca de uma estrelinha com nota 10 no boletim dada pelo chefe. Sua deliciosa virada visual e moral durante o filme é indicio de esforço e superação, mas ao mesmo tempo de negação, uma vez que ela vai deixando de ser jornalista, de ser namorada, de ser a amiga e passa ser apenas a assistente exemplar, um efeito gangorra, uma troca, há ali uma renúncia, questionável ou não.
Emily Blunt também brilha no papel da neurótica Emily, e sua devoção ao trabalho cria uma marca cômica, sua postura aflita, descontente, robótica e subserviente lembra muito aqueles nossos colegas de trabalho, que desconfiamos não existir na vida cotidiana, parecem dormir e acordar na empresa aparentam saber apenas palavras técnicas e geralmente possuem olheiras que ostentam um esforço exagerado. Emily é também o grande pedal para que o argumento do filme se justifique.
“O Diabo veste Prada” é no fim das contas um filme que cria conflitos em que a escolha, mesmo que oculta, é o agente de desenvolvimento dos personagens, e no dialogo final descobrimos que sim, nós somos seres autônomos mesmo quando isso não é tão nítido. E cada decisão tomada geralmente só fica realmente clara, quando ela já aconteceu, quando acessamos uma a escolha anterior a de agora, e sim você escolheu estar aqui.
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