Venha se aventurar pelo mundo distópico de “Divergente”
Distopias não são de hoje, mas parecem estar voltando como tendência forte para franquias juvenis cinematográficas. Tipos de sociedades com valores questionáveis, sem muita maquiagem demagógica, “admiráveis mundos novos” com governantes tiranos e regimes totalitários. Tudo isso puxado por frames reais de contextos que já existem, e que sugerem possíveis noções de futuro, geralmente pessimistas, cheios de desigualdade, com rastros apocalípticos.
Em “Divergente”, dirigido por Neil Burguer, o cenário é uma Chicago colateral, cheia de feridas pós-guerra, politicamente existe nela uma tensa divisão social que inclui dois setores marginalizados (os divergentes, e os sem facção) e cinco facções que muito se parecem com tribos de hoje, de um jeito mais estratificado, mas ainda assim familiares. A “Abnegação” é composta por um governo altruísta, que abdica de valores materiais em prol de uma filantropia e a lida com os marginalizados. A “Amizade” é cheia de pessoas que ”acordam em musicais”, se preocupam com a natureza, plantam hortinhas e estão sempre (irritantemente) felizes. A “Franqueza” trata da verdade e por acreditar que o colapso social provém da duplicidade, combate fraudes, corrupções e dissimulações humanas. A “Erudição” é uma espécie de turma do Silício, com valores mais elitizados, que aplicam o tempo em avanços científicos e de uma forma velada conspiram para tirar o poder da “Abnegação”. Por fim existe a “Audácia” que é composta por justiceiros hiperativos, que possuem habilidades que flertam com o Parkour e são responsáveis pela ordem – uma espécie de policia daquela sociedade. Fora do eixo dominante encontram-se os “sem facção”, que lembram mendigos e são tidos como inadequados pelas outras facções e são ajudados pela “Abnegação”.
Querer muitas coisas, se dividir em escolhas, possuir múltiplas habilidades, ousar questionar, desobedecer, sair do cercado: é mais ou menos esse o perfil dos que desafiam o senso comum para viverem vontades autônomas, e aos 25 não estão ganhando tão bem, aos 30 não são gerentes de multinacionais, e aos 35 ainda não tiveram filhos. No filme esses “rebeldes cognitivos” são chamados de “divergentes”, são tidos como uma ameaça à sociedade justamente por escaparem de uma coleira, por dotarem uma liberdade que incomoda ideologicamente. Quem representa os divergentes é a personagem Tis, interpretada pela atriz Shailene Woodley que consegue transportar nosso interesse pela história, e o seu mérito vem de um brilho no olhar e uma vibração que se amplificam e se antecipam a qualquer apelo pra aparência da mocinha exuberante. E é gostoso lembrar através de Tis, que em nossas vidas existem várias delas, e é produtivo saber que essas atrevidas sociais estão por aí: meninas que peitam. que brigam feito gente grande pelo que acreditam, ganham respeito pela sagacidade intelectual, transformam o nosso olhar e nos ensinam sobre a grandeza de ser mulher.
Se há semelhanças com “Jogos Vorazes”? Sim, são filmes completamente parecidos, e eu não consigo achar isso ruim: “Jogos” é uma franquia empolgante, e dentro do segmento de blockbusters juvenis é um exemplo de filme que cumpre o papel de distrair, faz pensar e transborda aventura. Se nos anos 80 fomos hipnotizados pela alegria inocente dos “Goonies” ou a ludicidade de “História sem fim”, e se na sequencia fomos bombardeados por super-heróis, zumbis e vampiros, agora é a hora de filmes mais críveis, que nos alertam sobre realidades próximas, que incentivam um envolvimento político pelos jovens e trazem heróis sem asas ou armaduras. Clichês muitas vezes conduzem de forma interessante o previsível, e nessa hora o jeito de contar faz mais diferença do que sabermos o que acontece. Mesmo que soubesse o que irá acontecer nas partes 2 e 3, eu ainda assim iria ao cinema, porque saber transmitir uma história pode ser mais importante do que uma ideia mirabolante sem liga narrativa.
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