Não peça perdão por me ter me feito esperar
Não peça perdão por me ter me feito esperar. Continuo aqui: sob o mesmo céu mutável e sobre a sempre movediça areia do tempo. Não peça desculpa por ter me deixado sozinho em meio às coisas que somente coisas são. Continuo aqui: debaixo do mesmo teto para qual olhávamos juntos enquanto esperávamos nossos batimentos acalmarem e os nossos poros fecharem. E sobre a mesma cama que tudo sabe sobre nossos nós.
Não chore por ter me deixado totalmente exposto ao orvalho da madrugada, ao cinza da cidade grande, ao relógio incansável, ao tabaco em doses não homeopáticas, às expectativas utópicas e às lembranças tão claras daquilo que nem sequer pudemos realizar. Continuo aqui: sentado no vagão da vida e vendo tudo passar borrado por essa janela embaçada graças ao vento que ainda invade meus pulmões.
Não chova lágrimas atrasadas por ter me dito apenas um quase inaudível tchau com pressa, sem direito a último encontro de lábios ou contato de peitos. Continuo aqui: boiando na inércia da rotina que, acredite se quiser, ainda é a mesma, mesmo sem você. Continuo aqui: despertando com auxílio do maldito despertador, entupido pelo tão impregnado colesterol e morrendo de pavor, sempre que penso em abrir a caixa que enchi com os presentes e cartas longas que um dia me entregou em mãos.
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