O dia no qual a vaidade matou o amor
Começamos então um pequeno duelo verbal, eu e ela, por motivo minúsculo, do tipo que deveria ter sido rapidamente jogado para baixo do tapete do bom senso. Iniciamos o corte com uma miúda troca de farpas, fagulhas que foram crescendo, inflamando, acendendo, afiando, incitando nosso ego demoníaco e aos poucos, minando nosso ainda vivo discernimento. Sem que pudéssemos perceber, logo estávamos perfurando um ao outro com frases afiadas e verdades que nunca deveriam ter sido tiradas da última gaveta. Mirávamos no peito daquele que ainda ontem protegíamos com unhas e dentes, como se para sobreviver à recente hemorragia de verbos, fosse necessário ofender até fazer com que o outro sucumbisse às lágrimas molhadas de ódio e sumisse afogado em uma poça de humilhação.
Nosso duelo, cujo estopim nem sentido fazia, logo havia perdido o controle, e o pior, estávamos cegos para todos os sentimentos capazes de fazer com que aquilo se findasse. Estávamos tomados pela pior raça de vaidade existente e assim, desferíamos ofensas cada vez piores. Não queríamos perder, se é que era possível ganhar uma guerra tão imbecil e pior, não percebíamos o quanto cada murro desferido só nos aproximava da lona concreta.
Rangíamos os dentes e cerrávamos os punhos, enquanto tentávamos suportar nossos próprios defeitos, recém-cuspidos naquela sala, que dali em diante, já era de mal-estar.
Nossas veias da testa latejaram, incharam, estavam prestes a explodir, assim como nosso passado, presente ou planejado futuro. Tudo ali estava por um fio e esse, não partiu quando perdemos a voz ou quando enfim cansamos de tantas ofensas. Fizemos inclusive as pazes e amor, para tentar apagar os rastros daquele descontrole, mas nosso laço não resistiu, rasgou quando em nosso silêncio, passamos a ouvir as explosões e gritos daquela já findada guerra. Estrondos insuportáveis que diziam o quanto éramos egoístas, hedonistas, mesquinhos e tantas outras coisas verdadeiras, mas impossíveis de serem engolidas após terem sido escarradas da boca de quem mais amávamos.
No fundo, sabíamos de todos aqueles nossos defeitos, mas nossa vaidade não sabia como suportá-los quando ditos em voz alta, pela mesma boca que nos protegia deles e os calava, com beijos e elogios.
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